Galileu Galilei pode ser amarrado sobre uma grande fogueira e arder até a morte, por ordem do poderoso Tribunal da Santa Inquisição. Estamos nos anos de 1630. Há uma única chance de ele escapar. Mas terá de renegar suas descobertas como pesquisador, aceitando como verdadeira um equívoco sustentado pela Igreja Católica, a de que a Terra seja o centro do universo conhecido.
O físico, astrônomo, matemático, filósofo está muito angustiado. Penalizado, Andreas, seu secretário, tenta acalmá-lo. Insinua que a morte de Galileu irá se tornar útil. Afinal, afirma: – Pobre do povo que não tem um herói.
Galileu responde-lhe com frase que ficará famosa: – Não, Andreas, pobre do povo que precisa de herói.
Não só o dramaturgo e poeta alemão Bertold Brecht, nesta cena de “Galileu Galilei”, coloca em dúvida o valor do heroísmo. Também alguns filósofos nos textos em que analisam a condição humana. Nestes textos, a figura do herói perde a auréola santificadora com que é habitualmente apresentado, e, a frase do Galileu de Brecht serve para alertar: o culto ao heroísmo pode servir como consolo a um povo oprimido e acomodado, por isto, incapaz de se libertar através de uma ação coletiva.
Certamente, há algo disfuncional no comportamento de uma comunidade que, para dispor da dignidade implícita numa reação à opressão, necessita de um ser insatisfeito consigo próprio, um fantasma à procura de um duplo de si, como estes filósofos – com dureza, sem dúvida – encaram a figura do herói. Alguém, para eles, que renuncia à sua identidade humana, quando sacrifica o convívio com quem ama, o direito à busca de felicidade e, até, às vezes, à própria vida.
Sem dúvida, haverá muitas pessoas não acomodadas entre os 50 milhões de membros da etnia orama oprimidos pelo governo da Etiópia, pois, constantemente, ocorrem mortes nos confrontos da população com as forças policiais daquele país. Ainda assim, o atleta Feyisa Lilesa teve de defendê-los. Nas Olimpíadas do Rio, pôs em risco sua vida e a medalha de prata conquistada. Quando, no final de uma corrida, fez, com os braços, o gesto simbólico dos combatentes oramas. Sacrificou-se ali, exatamente como, antes, no Brasil, centenas de estudantes, artistas, intelectuais e religiosos se imolaram na luta contra a Ditadura Militar Pós-1964, enquanto muitos brasileiros eram descerebrados pelo ufanismo falso das propagandas oficiais. Agora, mais uma vez, nosso país mergulha num período nebuloso. Vamos novamente depender de heróis?