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O instigante ‘Vermelho Russo’ é destaque da programação

Há um momento de Vermelho Russo em que as personagens de Martha Nowill e Maria Manoella discutem e até brigam. Uma joga um livro na outra. Martha e Maria, as personagens, são amigas e foram à Rússia para aprender a interpretar segundo o método de Stanislavski. Sabe aquela coisa de se introjetar no personagem, de buscá-lo dentro de si? Marlon Brando, Montgomery Clift, Paul Newman, Marilyn Monroe (numa fase da vida e da carreira), todos eram atores do método, que Lee Strasberg desenvolveu, com base em Stanislavski, no célebre Actors Studio, nos EUA.

As duas se agridem. Verbal e até fisicamente. O espectador fica meio em dúvida. Martha e Maria não seriam elas, a atrizes? O filme por acaso não se constrói num espaço limite entre ficção e documentário? Para o diretor Charly Braun, sim, e é o charme de Vermelho Russo, que terá sessões na terça, 1º, e quarta-feira, 2, na Mostra. Para ver fora da Mostra, você terá de esperar até março, abril do ano que vem – “Depois do Natal, do Oscar, do carnaval”, anuncia o diretor. A distribuição, já acertada, é da Vitrine de Sílvia Cruz, saudada no Festival de Gramado como a maior distribuidora independente do País.

Mas, enfim, é documentário ou ficção? O próprio Charly Braun tem dúvida. “Ensaiamos a cena, e depois filmamos de forma contínua, uns 40 minutos.” Filmagem em digital, três câmeras. “Martha e Maria são amigas de 20 anos. A cena, como todo o filme, é ficcional, mas não sei se elas não aproveitaram para lavar uma roupa suja. Rolou uma energia agressiva de verdade. Para o filme, foi ótimo.” E, como as duas também são amigas de verdade, o clima pesado ficou só naquilo.

Vermelho Russo ganhou o Redentor de roteiro na competição de ficção do Festival do Rio. Um prêmio meio esquisito, considerando-se que o filme é bastante improvisado. Charly Braun concorda só até certo ponto. “O júri premia o filme, não o processo. Ninguém sabe quanto disso é ficção, quanto é documentário. O que fica é essa sensação de verdade que o filme passa. Para nós, foi ótimo (o prêmio).” O diretor coassina o roteiro com a atriz Martha Nowill.

Na origem de Vermelho Russo, está a viagem que Martha e Maria realmente fizeram à Rússia, no passado, para aprender o método. Martha escreveu, na época, um diário que serviu de base para o roteiro. Mas muita coisa mudou quando a dupla voltou à Rússia. “Até pensamos em usar o velho professor das duas, mas terminamos optando por um ator no papel, Vladimir Poglazov.” No que seria a trama original, Martha e Maria viveram uma experiência enriquecedora e, pelo menos no diário, a primeira diz que ganhou muitos elogios do professor.

“Ao refazer a experiência para a câmera, ficou evidente que elas não estavam mais fazendo o curso, mas representando para o filme.” O resultado é essa obra com ecos de Tio Vânia em Nova York, de Louis Malle, e Looking for Richard, que Al Pacino dirigiu baseado na sua experiências shakespeariana em Ricardo III. Também de Moscou, de Eduardo Coutinho. Sexo, vodca, neve, teatro dentro do cinema. O limite – da ficção e do documentário, das personagens e das atrizes. O falso e o verdadeiro. Às vezes, como dizia Orson Welles, a mentira é a única maneira de se chegar à verdade.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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