São as experiências pessoais de Wes Nunes que auxiliam o artista paulistano a publicar quadrinhos de forma crítica sobre questões como sexualidade e gênero. O trabalho do quadrinista aos poucos começou a sair da bolha das redes sociais e recebe reconhecimento nacional. O livro Manifesto dos Quadrinhos, lançado na Bienal do Livro do Rio de Janeiro pela Chiado Editora, em setembro, trouxe mais fãs para o trabalho do artista.
“O lançamento aqui em São Paulo foi uma realização bastante pessoal para mim. Não apenas porque a maior parte dos meus leitores é daqui, mas também porque estavam meus amigos e muita gente que me ajudou nesse trabalho”, comentou Nunes, que foi indicado como um dos dez finalistas do Troféu HQMIX, na categoria web tiras.
A obra conta com quadrinhos que não foram publicados pelo autor ou que foram censurados nas redes sociais. O dinheiro que já recebeu por seus desenhos é revertido para a produção dos próximos, já que é como fotógrafo e ghost writer que Nunes tem se sustentado. “Fico surpreendido como esse livro está chegando às pessoas, principalmente em um momento do Brasil, onde ser LGBT paira entre ser crime, pecado ou doença. Muita gente me disse que meu trabalho ajudou a se sentir entendida e menos sozinha por ser LGBT”.
As obras de Nunes atraem fãs, mas também causam a ira de outras pessoas que, segundo o quadrinista, mandam mensagens agressivas pelo conteúdo crítico de seu trabalho. “Existem as que agridem. As que mandam mensagem dizendo que eu devia me matar… E quer saber? Estou pelas travestis, pelas transexuais… LGBTs como um todo, dentro e fora da sigla.”
Os recentes ataques a obras de arte e exposições em museus não o chocaram. Inclusive, ele acredita que esse tipo de coisa sempre existiu. “A agressão é vã. A censura nunca terá maior poder que a arte crítica”, disse. Um dos quadrinhos de Wes que teve mais repercussão precisou ser republicado após denúncias nas redes sociais, por exemplo.
“Foi uma tira sobre o enforcamento de dois meninos gays no Irã, baseada numa fotografia antiga que vi da execução da pena Lavat, que condena o sexo entre homens à morte. Foi republicada em pelo menos quatro línguas de diversos países, dentre elas o próprio farsi. Alguns zines clandestinos de lá também fizeram uns impressos, pelo que eu soube depois”, relembra.
De família nordestina, o artista de 26 anos nasceu e foi criado na periferia de São Paulo sem muito acesso a revistas em quadrinhos quando criança, mas o hábito de rabiscar nas aulas de educação artística sempre esteve presente. O irmão mais velho também compartilhava a aptidão para o desenho e o ajudou a desenvolver seu dom.
Uma cicatriz física e emocional na adolescência marcou a história de Nunes. Aos 14 anos, dentro da escola, olhou para o “garoto errado”, como ele mesmo diz, e, na saída, foi esfaqueado pelo próprio menino. “Lembro que, para esconder o motivo da minha família, não contei do corte, que tinha uns 15 centímetros, assim como não fui ao hospital nem nada. Passei um longo silêncio sobre tudo o que aconteceu. Por causa disso, precisei frequentar anos de terapia e psiquiatria.”
Característico no trabalho de Nunes, o uso apenas de tons de cinza nas tiras não é apenas estilístico. O artista tem acromatopsia (incapacidade para perceber cores) e as cores se tornam fruto de dedução e imaginação. “É muito arriscado eu colorir o meu trabalho, já que foco em um estilo realista. O preto, tons de cinza e branco é muito que eu vejo na vida, figurativa e literalmente.”
Dos 15 aos 22 anos, Nunes ficou sem explorar seu lado artístico e, nesse meio tempo, frequentou sessões de terapia e psiquiatria devido os diagnósticos de depressão crônica e esquizofrenia. Ele voltou a desenhar aos poucos em 2013, como quem se recupera de um acidente e tem que fazer fisioterapia.
Começou publicando uma série de charges políticas nos grupos acadêmicos chamados Charge de Quinta e, paralelamente, criou um blog onde iniciou a produção de suas primeiras tirinhas, mesmo sem nunca ter feito curso de desenho. As charges perderam espaço enquanto as tirinhas do Manifesto dos Quadrinhos, que tratavam de sua sexualidade e violências físicas e emocionais que sofreu, passaram a ganhar importância e atrair leitores dentro e fora da comunidade LGBT.