Mundo das Palavras

O medo da originalidade

Cada ser humano é único, no modo como se insere, não só em sua família, mas em todos os grupos sociais dentro dos quais transcorre sua existência. Assim, há percepções da vida, das pessoas e de cada ambiente que só uma pessoa pode ter. O que deveria provocar a produção de um número atordoante de falas e textos escritos, dotados de originalidade, em toda comunidade humana. Mas, não provoca. Por que? 

A resposta é desconcertante. Porque ninguém quer abrir mão do conforto trazido pela adaptação social. E, sabemos, o ser humano original é visto como alguém incontrolável, imprevisível, excêntrico, possivelmente afetado por alguma doença mental. Numa situação existencial belamente encenada no filme O Capitão Fantástico, no qual um grupo familiar não enquadra seu comportamento nos chamados “padrões da normalidade”. E, pela originalidade e criatividade de seus membros paga o alto preço da incompreensão. 

Tudo o que nos ensinam é desqualificar e esconder as percepções que só nós, individualmente, temos. Somos convencidos a considerá-las sem importância. Diferentemente dos artistas da linguagem. O cronista Rubem Braga e o poeta Manoel de Barros, por exemplo, criaram obras admiráveis fazendo uso exatamente das suas percepções “sem importância”.  

Uma pena este temor de ser diferente das “´pessoas comuns”! Porque nos faz calar a expressão de um universo cheio de detalhes pequenos que ampliam os limites conhecidos da experiência humana. Com os quais também poderíamos expressar um mundo novo.

Trata-se daquele universo que nos chega através do olfato, nas diferentes sensações provocadas por cheiros do cotidiano, como os da pizza saída do forno, dos vinhos, das frutas, das folhas molhadas, dos incensos, do café fumegante. Que vem até nós, igualmente, por meio de sucessivas percepções táteis: as da água fria (e da quente) em nosso corpo, as das massagens, dos toques em nossos cabelos, da cama macia, da roupa limpa. Que captamos a todo instante nas sensações trazidas pelo que é doce, azedo, salgado, amargo, quente e gelado. Pelo gengibre, pelo biscoito crocante, pelos sorvetes. Pelas infinitas percepções sonoras do dia a dia. As das músicas (de ninar, de Natal, de casamento, de funerais). As das modificações da fala humana, em sua altura, intensidade e ritmo, como num choro magoado, e, numa risada debochada. E, em especial, pelos amados sons familiares: os da tosse do pai, os de seus passos, os do balanço das chaves em seu chaveiro.

Quanta coisas, por fim, não nos dizem as cores, os desenhos e os estilos das roupas, as diferentes tonalidades da luz do céu, do luar, e de tudo o mais que só nossos olhos captam? 

(Ilustração: A família de Bem Cash, o Capitão Fantástico, num cartaz do filme)

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