No domingo, 15, o Telecine Cult programou uma extensa seleção de clássicos italianos que começou às 9h15 da manhã com A Doce Vida e prosseguiu com A Noite, o Eclipse, O Leopardo, Belíssima, Ladrões de Bicicletas e Milagre em Milão. São filmes que pertencem à história, assinados por Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti e Vittorio De Sica. A programação permitiu ressignificar essas obras. Fellini, voltado para o próprio umbigo, De Sica, miserabilista social. Começa nesta terça-feira, 24, o Festival de Cinema Italiano. Enquanto o Festival Varilux do Cinema Francês escolheu ser presencial, o italiano é online.
Pierfrancesco Favino venceu o prêmio de melhor ator por Padrenostro, de Claudio Noce. Já havia sido excepcional como Tommaso Buscetta em O Mafioso, de Marco Belloccio. O filme de Noce retorna aos anos de chumbo, ao terrorismo dos anos 1970, quando a Itália cindiu. No Lido, Noce repetiu várias vezes que seu filme não era político, mas uma crônica familiar, uma história de pai e filho. Provocado pelo repórter, que queria discutir com ele os clássico resgatados pela TV no Brasil não deixou por menos. "Há uma crítica tradicional que cultiva esses grandes, mas a minha geração foi formada por Francesco Rosi e Elio Petri. Se há um filme que me inspira, na estética como na política, é Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita."
Noce acerta conta com a própria infância, por meio da história desse homem – seu pai – que está jurado de morte. A mãe e ele testemunham o ataque do terror, que projeta a família na instabilidade. "O filme nasceu de uma carta que escrevi para meu pai, para dizer-lhe como todo aquilo me marcou. O texto era muito pessoal e eu procurei dar-lhe mais universalidade. Meu pai pertencia a uma geração de homens fortes. Considerava a emoção uma fraqueza, mas eu creio que, finalmente, os medos que a geração de meu pai tentava esconder hoje não precisam mais ser escondidos."
Padrenostro estreou na Itália em 24 de setembro, logo após o prêmio em Veneza. Ficou três semanas em cartaz até o novo lockdown na Itália, por causa da pandemia. Outra atração do festival deveria ter estreado em abril – Cosa Sarà, de Francesco Bruni -, mas somente chegou às salas em 24 de outubro. Kim Roissi Stuart faz o cineasta diagnosticado com leucemia. Ele cai na estrada com o pai e a filha em busca de uma suposta irmã, que poderá ser a doadora de medula na cirurgia que precisa fazer. "Ao mesmo tempo que tem a estrada, no filme tem toda a parte cirúrgica, o tratamento de quimioterapia. Fiquei com medo de que as pessoas não se interessassem pelo filme na pandemia, mas o carisma de Kim ajudou bastante."
Mais um filme que chega ao festival via Veneza – Non Odiare, de Mauro Mancini, foi o único italiano da Semana da Crítica. "Sempre fui fascinado pela contradição humana, e discutia bastante com meu amigo roteirista, David Liside. Mas a ideia de um filme só surgiu quando encontramos essa história ocorrida na Alemanha, de um médico judeu que se recusa a operar um paciente que tem a suástica tatuada no ombro. No limite, ele terminou operado por outro cirurgião, mas a ideia ficou conosco. E se a intransigência do médico tivesse levado o paciente a óbito? Desde que começamos a escrever eu pensava em Alessandro Gassman, filho de Vittorio, como protagonista. Queria evitar o estereótipo e, ao mesmo tempo, pensava num filme muito austero. Desde o início trabalhei com um conceito de mise-en-scène. Os personagens deveriam estar isolados em seus mundos. O que não dizem é mais importante do que aquilo que dizem, e a luz, os movimentos de câmera expõem o interior de forma muito visceral. Vivemos hoje num mundo em que as pessoas fazem questão de manifestar seu ódio. Creio que, neste sentido, a Mostra dArte Cinematográfica de Veneza deste ano, com os condicionamentos determinados pela Covid 19, nos levou a refletir de uma maneira profunda sobre o mundo em que vivemos."
O festival estará disponível por 15 dias, a partir desta terça, em todo o Brasil. O usuário tem de entrar na página para escolher os filmes que quiser ver. Dentro da página do filme, deve clicar no botão assistir e será direcionado para o site do Belas Artes. A par dos inéditos, o festival também promove uma retrospectiva de grandes estrelas. São 12 títulos considerados clássicos, incluindo Rocco e Seus Irmãos, de Luchino Visconti, A Aventura, de Michelangelo Antonioni, Gaviões e Passarinhos de Pier-Paolo Pasolini, Il Segrteto del Vecchio Boscchio, de Ermanno Olimi, e Cesare Deve Morire, dos Irmãos Taviani.
A história é contada do ângulo dos produtores e levanta uma questão de ordem – estava dando tudo errado no set, mesmo assim, um filme foi um grande sucesso de público e crítica e ainda venceu a Palma de Ouro em Cannes. Visconti nunca aceitou que Rocco e Seus Irmãos não tenha vencido o Festival de Veneza.
Prometeu nunca mais voltar, mas recuou e ganhou o Leão de Ouro de 1965 por Vaghe Stelle DellOrsa. Ermanno Olimi assina talvez um dos filmes mais misteriosos na retrospectiva do Festival Italiano de 2020. Baseia-se no livro de Dino Buzzatti, e ambos, o romance e o filme, tem tudo a ver com o que se passa no Brasil. O presidente Jair Bolsonaro tentou comprar briga com os países europeus que estariam, segundo ele, devastando a Floresta Amazônica. Não mostrou as provas. Il Segreto del Bosco Vecchio é sobre general que assume projeto para devastar floresta na Itália. Mas ele não leva o projeto adiante porque possa a ser perseguido pelo segredo do título – as vozes dos fantasmas que habitam a região.
<b>OS OUTROS DESTAQUES</b>
O 15º Festival de Cinema Italiano tem programação totalmente online este ano. Começa hoje (24), com acesso gratuito para os assinantes da plataforma do Cine Petra Belas Artes, Belas Artes A La Carte, que pode assistir aos filmes por um período de 15 dias. Para quem não é assinante, o acesso ao pacote de filmes custa R$ 9,90. Mais detalhes e informações no site festival. cinemaitaliano.com.
Ao todo, são 25 filmes disponíveis, divididos em duas categorias: Cinema Contemporâneo Italiano, com novos diretores premiados, e a Mostra Retrospectiva das Estrelas (com clássicos como O Carteiro e o Poeta). Confira alguns destaques:
Il Ladro di Giorni
De Guido Lombardi, a história do garoto traumatizado ao ver o pai ser preso diante dele. Agora ele volta, em liberdade, para tentar reatar a ligação. Com Riccardo Scamarcio e Augusto Zazzaro.
5 É Il Numero Perfetto
Igort dirige o thriller dramático baseado em sua história em quadrinhos. Foi apresentado na seção Giornate Degli Auttori no Festival de Veneza do ano passado. Com Toni Servillo e Valeria Golino. Camorrista da velha guarda tenta vingar a morte do filho.
Burraco Fatale
Quatro amigas que adoram jogar cartas inscrevem-se num torneio de profissionais. Giuliana Gamba dirige Angela Finocchiaro, Claudia Gerini e Loreta Goggi. É o início de uma aventura que as levará a um mundo que elas nem sonham.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>