Quando Paula Lima assistiu ao vídeo no qual o policial americano pressiona o pescoço de George Floyd até sua morte, em maio deste ano, resolveu que usaria suas redes socais para "dar voz a quem não tem" – sobretudo negros e mulheres. "Sou uma cidadã que busca seus direitos, acredita em causas e se sente no direito de defendê-las", explica.
Isso não significa que ela não o fizesse antes. No início dos anos 1990, quando começou sua carreira na música, já tinha muito claro que o soul – gênero musical originário nas comunidades negras americanas nos anos 1950 – e a black music seriam seu norte. Não foi fácil. Quando tentou pela primeira vez se lançar em carreira solo, ouviu de um produtor que não seria legal ter um disco de duas cantoras negras no mercado naquele momento – uma outra cantora estava lançando um disco na mesma gravadora. "Eu poderia ter desistido ali", lembra.
Desde março, Paula Lima é uma das diretoras da União Brasileira dos Compositores (a UBC) e, com a pandemia, assumiu, além da tarefa de defender os direitos autorais, as lives da entidade nas quais já conversou com nomes como Elba Ramalho, Fafá de Belém, entre outros. Paula ainda apresenta, desde 2016, na Rádio Eldorado FM, o Chocolate Quente, programa dedicado à música negra e, recentemente, foi convidada a assinar uma coluna no site da revista RG.
<b>Você passou a integrar a diretoria da UBC em março. Por que decidiu aceitar o cargo?</b>
O Marcelo Castelo Branco, que é o CEO da UBC e já foi meu diretor em gravadora, há 20 anos, na Universal, me convidou. Eu pensei um pouco porque é um trabalho burocrático, diferente das coisas que eu faço. São 35 mil associados, uma instituição seriíssima que tem como foco defender os direitos autorais. Logo que assumi, a pandemia chegou. Então, o Marcelo criou as lives com parceiros para ajudar a UBC e me chamou para apresentá-las. Foram arrecadados R$ 1,8 milhão que ajudaram mais de 1.100 associados.
<b>E como fica o tempo para a música, para sua carreira?</b>
Minha carreira continua com meu programa de rádio, Chocolate Quente, na Eldorado FM, que é meu xodó, tem as lives, e, por conta, do meu engajamento nas redes – porque acho que a pandemia me deixou mais atenta para certas questões, sobretudo depois da morte do George Floyd – resolvi dar voz a quem não tem. Comecei a escrever no meu perfil no Instagram e o site da RG me convidou para ter uma coluna semanal. Então meu tempo está bem apertado. Mas são todos compromissos que eu acredito.
<b>Você já foi vítima de racismo?</b>
Já. Não existe um negro no Brasil que não tenha sido vítima de racismo. Com o fim da escravidão, não houve reparação. São quase 500 anos de uma posição muito ruim para nós, negros, no Brasil. Sem essa reparação, e quando falo dela me refiro às cotas e políticas públicas, não conseguimos dar passos maiores. Não é vitimismo, é realidade.
<b>A música popular brasileira é igualitária em gênero, raça e cor?</b>
A música brasileira é popular, no sentido de ritmos que ganham mais espaço. É normal. Respeito todo mundo que faz música. Quando penso em mulheres negras que têm destaque, penso que a história vem se abrindo um pouco. Quando falamos de Ludmila, Iza, Alcione, Karol Conka, Elza Soares… Estamos no processo. Tem uma nova geração maravilhosa que não posso deixar de falar, com Larissa Luz, Luedji Luna Majur, Liniker, Xênia França. Elas estão fazendo um supersom e criando um público.
<b>O que cada um pode fazer para diminuir a desigualdade racial no Brasil?</b>
Em primeiro lugar, entender sobre privilégios. É importante não só reconhecê-los, mas abrir mão deles. Em segundo lugar, é entender que não existe meritocracia no Brasil. Fizeram a gente acreditar que se não conseguimos as coisas é porque éramos fracassados. Se eu estou em uma posição melhor e o outro não, não é porque ele é um preguiçoso. Ele precisa de espaço. Precisamos ter jornalistas, atores, juízes negros… E todo mundo tem que defender um negro que está sendo atacado por sua cor. Cor não é sinônimo de inferioridade.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>