“Ideologia Pá, pá, pá”, a expressão feliz usada para designar o conteúdo daquilo que Jair Bolsonaro transmite a seus seguidores apareceu numa matéria da Folha de S. Paulo assinada por Anna Virginia Balloussier e Marcus Leoni. Tem lá, no entanto, suas imprecisões.
É feliz porque capta os signos de um código particular daquilo que o jornal chamou de “bolsonarismo”: o ruído “pá,pá,pá”, emitido simultaneamente com gestos (dedos indicadores e polegares esticados nas duas mãos, a esquerda diante da direita) que imitam uma metralhadora, e, com uma única palavra: mito.
O ruído e os gestos remetem ao emprego da violência empregada como recurso político. Algo que, embora apregoado por Bolsonaro, a priori, não tem identidade ideológica. Pois, como é sabido, o mesmo recurso já se colocou também como opção extrema à facção política considerada inimiga do deputado – a esquerdista – em países onde foi tentada a implantação do socialismo. Aí está a limitação da expressão criada pela FSP. O “pá, pá, pá” do deputado está longe de corresponder à definição de ideologia, segundo o marxismo: um conjunto de ideias, defendido na disputa pelo poder político, correspondentes a interesses materiais de determinada classe social.
Na atuação de Bolsonaro, o sentido ideológico, contudo, aparece. Quando ele ultrapassa a linguagem não verbal, isto é, o “pá, pá, pá”. E deixa claro seu ódio como motor da violência política que propõe, frequentemente, através, de frases chocantes com agressões às mulheres, aos negros, às homossexuais. Todas, aliás, bem calculadas para terem efeito publicitário. Na desordem institucional vigente entre nós, aos ouvidos de empresários sempre incomodados pela existência de Direitos Sociais, elas soam como música encantatória, ao apontarem para um possível retorno do País ao regime de exceção. Este tom raivoso das manifestações de Bolsonaro, muitas vezes, atinge um nível de desumanidade inédito na História Política do Brasil. Ficou registrada em vídeo, acessível pela internet, a entrevista que ele concedeu a Jair Marchesini, da Tv Bandeirantes do Rio de Janeiro, no programa Câmera Aberta, quando o presidente do Banco Central, Chico Lopes, ficou preso durante algumas horas, após se negar a depor numa Comissão de Inquérito do Senado que investigava denúncias contra bancos. Bolsonaro já era membro do Congresso Nacional, havia nove anos. E declarou: “Eu sou a favor de que se desse porrada no Chico Lopes. Que se colocasse pau de arara, na CPI. Ele merecia isto, pau-de-arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura, como vocês sabem. E o povo também. Se eu fosse presidente da República, fecharia o Congresso Nacional, no mesmo dia. Tenho certeza que noventa por cento da população ia fazer festa, bater palmas. Olha, no Brasil, não se vai falar em Ditadura Militar. Só desapareceram duzentas e oitenta e duas pessoas. A maioria, marginais, assaltantes de bancos, sequestradores. Através do voto, você não vai mudar nada, neste país. Só vai mudar quando nós partirmos para uma guerra civil, aqui dentro. E fazendo um trabalho que nenhum regime ainda fez. Matando uns trinta mil. Começando com FHC. Não deixando ninguém ir para fora, não. Que vai morrer alguns inocentes, vai. Tudo bem”.
Produtor de frases truncadas, carente de recursos de Expressão Verbal necessários para a formulação de análise mais sofisticada da realidade nacional, assim, como de profundidade lógica, Bolsonaro aparece com cerca de quinze por cento da preferência dos eleitores entre os nomes cogitados pela imprensa para a disputa pela presidência da República, nas próximas eleições. Isto porque consegue vocalizar o anti-intelectualismo intenso e ressentido disseminado, sobretudo, por uma classe média, hoje, esmagada financeiramente. De suas limitações intelectuais vem a prolongada esterilidade na elaboração de projetos durante os 27 anos nos quais permanece no Congresso Nacional. Assim como, sua dificuldade em defender qualquer ideia, sem ofender o interlocutor. E, também, seus comportamentos contraditórios. Quem não lembra dos “coraçãozinhos” feitos com os dedos das mãos, no melhor estilo gay, que ele endereça a dezenas de homens, nos seus encontros públicos, quando os ouve gritar: “Mito!”? Esta é uma palavra-chave do “bolsonarismo”. Registrada na matéria FSP, ela insere o deputado federal e seguidores numa fase remota da História da Humanidade. Em que, na ausência das Ciências, as pessoas sequer tinham compreensão clara do mundo.