Caetano Veloso que necessidade teria de reviver o sofrimento infligido a ele pela Ditadura Militar, meio século atrás? Esbugalhar os olhos, gesticular muito, agoniado. Falar com voz mole, arrastada, com raiva mal contida entredentes. Abatido. Quando, agora, aos 76 anos de idade, se mantém inovador, como artista. Sempre apreciado nas universidades, e, no universo das Artes e do Jornalismo Cultural. Inclusive na Europa e nos Estados Unidos.
Que necessidade teria, a não ser defender a Democracia, de novo ameaçada no Brasil pela intolerância política que tentou impor-lhe, aos 26 anos, algo de foi vítima outro artista, Geraldo Vandré, pior que a morte: a desestruturação e perda de identidade.
Caetano fez, há poucos dias, esta espécie de autoimolação, diante de câmeras de cinema, na gravação das cenas do documentário produzido com roteiro extraído do capítulo de seu livro autobiográfico “Verdade Tropical”, no qual ele narrou seus dois meses confinado em quartéis militares. O filme, como o capítulo do livro, se chamará “Narciso em Férias”.
No videoclipe de dois minutos distribuído como anúncio do documentário é possível ver como Caetano se sentiu na prisão. Primeiro, ao contar uma simulação de fuzilamento encenada pelos militares para humilhá-lo. Quando foram cortar sua cabeleira, marcante na imagem de líder do Tropicalismo. Depois, ao mencionar seus dias de confinamento numa cela solitária muito pequena, em total incomunicabilidade. Onde só cabia a metade de seu corpo, ao se deitar no chão, para dormir sobre um velho cobertor de caserna e pedaços de folhas de jornais. Lá, ele foi alimentado com café ralo, pão velho, e mistura repugnante jogada na cela, num prato.
Desanimado, Caetano reproduz no videoclipe, a ordem recebida, naquela simulação perversa: “Ande em frente e não olhe para trás”. Com os olhos saltados, ele diz: “Aí eu fiquei com medo. Fui andando. Pensei que eles iam atirar”.
Mais adiante, agitado, ele relembra como sua individualidade foi abalada. “Eu fui tirado de minha casa, de minha vida. E fui levado por um caminho absurdo que começou com uma viagem de São Paulo ao Rio. Depois fui jogado numa solitária. Comecei a achar que a vida era aquilo ali. Só aquilo. E que a lembrança do apartamento, dos shows, da vida lá fora, era uma espécie de sonho que eu tinha tido. Aí eu me olhei no espelho. Não é que eu não sabia quem era (aquela pessoa). Eu não sabia o que era ‘aquilo’. Num sofrimento total. Num desespero total”.
Só uma frase gritada no momento em que ele saiu da prisão, salvou-o da tragédia que se abateu sobre Vandré. Veio de José Teles Veloso, homem sereno, educado, quando viu o filho transtornado: ‘Não me diga que estes filhos da puta te botaram nervoso!’.
“Ele falou isto e eu fiquei bom”, concluiu Caetano.
(Na ilustração, Caetano, atrás de Edu Lobo e Othon Bastos, numa passeata, no Rio, seis meses antes de sua prisão)