1968. Tenho vinte anos de idade, trabalho como repórter da Intervalo, revista de pequeno formato da Editora Abril, especializada na cobertura dos artistas de televisão de São Paulo.
Estou no apartamento de Caetano Veloso, no 20º andar do Edifício Santa Virgínia.
Caetano acaba de me dizer: “Seu sotaque me lembra Belém do Pará”. Respondo que ele acertou na identificação da minha procedência.
Caetano, 26 anos, está sentado num dos lados da mesa de pingue-pongue que ocupa um bom espaço da ampla sala do apartamento, ocupado em escrever dedicatórias nas capas de um pequeno monte de exemplares do disco-manifesto Tropicália.
Naquela mesma sala, ele havia me dito, poucas semanas antes, que sua timidez o impedia até de chamar o garçom, num restaurante. “Peço muito licença para viver”, acrescentou. Me presenteando com um título perfeito para o texto que iria escrever sobre ele.
Àquela altura, ele ainda atravessava seu processo de adaptação a São Paulo, como explicaria na letra de Sampa: “É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi da dura poesia concreta de tuas esquinas”.
Mais tarde, Caetano aprendeu a esconder sua timidez, para sobreviver na selva do show business paulistano. Adotando, às vezes, um comportamento agressivo, atribuído às pessoas de seu signo – Leão. Como quando chamou o temível polemista Paulo Francis de “bicha que parece uma múmia”. Tudo porque Francis, de modo provocador, havia escrito que Mick Jagger, numa conversa dos dois, transmitida por emissora de televisão, tratara Caetano “com condescendência do colonizador frente a um colonizado”.
Mas, naquela véspera de 1969, ele estava em paz e alegre, no doce sossego familiar, entre os amigos-irmãos baianos, Gilberto Gil e Gal, que, sentados à mesa, ao lado dele, também autografavam os discos. Assinaram, inclusive, no que ele me deu, com a dedicatória amável: “Viva Belém do Pará”. Poucas semanas depois, Caetano e Gil seriam presos pela Ditadura Militar, e, depois exilados.
Não havia passado dois anos, desde que os ambos, como Chico Buarque, tinham iniciado suas carreiras na grande metrópole. Caetano e Chico, ainda pouco conhecidos, iriam ganhar maior visibilidade numa gincana musical da TV Record, chamada “Esta noite se improvisa”, apresentada por Blota Júnior.
Quando Caetano já havia retornado do exílio, ele e Chico se juntaram, um dia, de novo, para assistirem ao velho vídeo-tape da gincana. Chico observou como eles se vestiam. E, não controlou seu espírito gozador: “Como éramos velhos, naquele tempo!”. Na gincana, Caetano exibia um look semelhante àquele com o qual, depois, cantaria “Alegria, alegria”: paletó emprestado sobre camisa – hoje, brega -, de gola rolê. De fato, parecia o avô do Caetano, todo “Odara”, junto a Chico.
(Ilustração: Caetano se apresenta no festival da TV Record, em 1967)