Mundo das Palavras

O papa e o criador do Pequeno Principe

​Bento XVI nunca foi responsabilizado pela morte do autor de “O Pequeno Príncipe”. Antoine de Saint-Exupéry, como é sabido, desapareceu no dia 31 de julho de 1944, quando pilotava um avião norte-americano, a serviço das Forças Aliadas, que enfrentavam os nazistas, na Segunda Guerra Mundial. Naquele dia, sua missão era sobrevoar a cidade de Lyon, para registrar em imagens fotográficas a movimentação, naquela área, das tropas de Hitler que ocupavam a França, pátria dele.
 
​Morto, uma década e meia mais tarde, Exupéry iria exercer enorme influência sobre os jovens, especialmente os do Brasil, através de suas obras literárias impregnadas da filosofia existencialista cristã – sobretudo através de “O Pequeno Príncipe” -, quando a Igreja Católica atravessou o papado do sábio camponês bonachão Angelo Giuseppe Roncalli. Sob o comando dele, o Papa João XXIII, os católicos foram estimulados, por meio de encíclicas como “Mater e Magistra” e “Pacem in Terris”, a participarem da luta por Justiça Social, sem discriminarem seus companheiros não-cristãos ou ateus, com os quais eles passariam a manter um profícuo debate filosófico, enriquecedor da fé religiosa, amparados na Doutrina Social da Igreja e em pensadores cristãos como Emmanuel Mounier, Teilhard de Chardin, Gabriel Marcel, e, no Brasil, Alceu de Amoroso Lima, assim como nas obras de Exupéry – cujo talento se manifestava também nas Artes Plásticas, como revelam as imagens do Pequeno Príncipe, que ele próprio criou, uma das quais postada junto com este texto. Outros livros de Exupéry também foram lidos e debatidos intensamente, na época, entre os estudantes, membros da Ação Católica, que, inspirados pelas orientações de João XXIII, militavam em entidades de classe, através da JEC – Juventude Estudantil Católica (secundarista), da JUC- Juventude Universitária Católica, e, da JOC – Juventude Operária Católica. Entre estes livros, "Terra dos Homens", "Voo Noturno", "Cidadela", "Correio do Sul", e, "Piloto de Guerra".
 
​Quando o aviador-escritor francês desapareceu, Joseph Ratzinger, ainda muito jovem, pertencia à artilharia antiaérea alemã, a FLAK (Flugabweherkanone), que utilizava metralhadoras pesadas e canhões contra aviões inimigos. Mas a hipótese de o futuro chefe da Igreja Católica ter alvejado Exupéry jamais sequer chegou a ser examinada. Pois, aos 17 anos, ele não poderia ter experiência técnico-militar suficiente para tanto. E, o mais importante, sua corporação antiaérea não atuava na região de Lyon. Mas em Munique, onde se responsabilizava pela proteção de uma fábrica da BMW.
 
​Ainda assim, se pode dizer que, de outro modo, Ratzinger alvejou o criativo artista-pensador cristão. Isto iria ocorrer, ao longo de um processo demorado, estendido por três décadas, a partir do final dos anos 70, quando Ratzinger – inicialmente como conselheiro influente de João Paulo II, depois como Papa – ajudou colocar a alta hierarquia da Igreja Católica numa posição muito diferente da de João XXIII, extinguindo o diálogo com quem não pensasse dentro de velhos e rígidos – embora, supostamente eruditos – princípios teológicos. O que empobreceu profundamente o ambiente intelectual juvenil católico, abrindo caminho para a valorização dos padres-midiáticos, debochadamente chamados de padres-gatos.
 
​Não por acaso, o mais famoso destes padres, Marcelo Rossi, recebeu, em 2010, de Bento XVI, o título de “Evangelizador do Novo Milênio”.
 

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