Mundo das Palavras

O poeta queria ser comido por peixes

Ainda, hoje, quase quarenta anos após sua morte, Vinicius de Moraes continua sendo amado e admirado, como poucas pessoas foram ou são, na História da Cultura do Brasil. Algo natural para quem dedicou-se intensamente a cultivar o amor e a amizade entre os seres humanos, através de poemas e músicas sedutores. A morte do poeta, em julho de 1980, comoveu o País – registraram os jornais. De um modo, aparentemente, jamais imaginado pelo próprio Vinicius. Pois, em 1969, quando teve um AVC, ele escreveu uma carta-testamento destinada apenas a seus parentes próximos, com pedidos relacionados ao destino que queria dar a seu corpo, se viesse a morrer. E, todos eram impossíveis de serem atendidos, diante do respeito comovido que tanta gente tinha por ele. A seguir, os pedidos de Vinicius, no texto entregue à Christina Gurjão, com quem vivia, na época. O mais importante o poeta destacou usando maiúsculas:
 
“Escrevo isto, hoje, pensando, é claro, que não aconteça nada. Mas tive uma crise hipertensiva, e se, se vier outra, sempre pode dar num derrame e eu posso perder as faculdades de falar ou raciocinar, no sentido do que está exposto aqui.
 
Se eu ficar inválido a ponto de não poder me mover e pensar, matem-me, por favor! Eu faria o mesmo por vocês, palavra de pai, irmão, marido e avô. E até de sogro.
 
Uma injeçãozinha maneira não faz mal a ninguém, numa hora dessas.
 
Nem cego. Tenho horror a ficar cego, mesmo podendo escrever o ‘Paraíso Perdido’, como fez Milton. Mas eu não sou Milton, nem nada.
E esta é a minha última vontade que, espero, seja para vocês sagrada. Não me enterrem. Se houver alguma coisa ‘do outro lado’ – no que, até agora, não consigo acreditar -, eu amaldiçoarei vocês todos, se não fizerem esta última vontade minha.
 
Peguem meu corpo, joguem-no ao mar. Lá na Avenida Niemeyer, com dois pesos nos pés. Adoraria ser comida de peixe, como foi o Hart Crane.
 
Ou queimem-me, aí, num mato qualquer, com gasolina. Se não tiverem coragem de fazer isso, contratem um marginal que o tenha, mediante bom dinheiro.
 
MAS NÃO ME ENTERREM, PELO AMOR QUE VOCÊS TÊM POR MIM.
 
Em último caso – mas esta não é a minha vontade – mandem proceder a um embalsamento e só me enterrem depois de quarenta e oito horas de embalsamado.
 
Gostaria de ser velado, nesse caso, pelos estudantes, e que meu coração lhes fosse dado.
 
E de ser enterrado (depois do embalsamento e das quarenta e oito horas), ao som das escolas de samba e dos choros de Pixinguinha. Mas – insisto – prefiro ser jogado ao mar ou cremado.
 
E que houvesse alegria e não tristeza. Eu fiz o que pude”.

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