Mundo das Palavras

O privilégio de sermos diferentes

Quem tivesse tido a oportunidade de viajar pelo Brasil e chegasse pela primeira vez à capital de São Paulo, há quarenta anos, era exposto a algo inicialmente surpreendente e intrigante em relação ao uso da Língua Portuguesa, quando percebia que, nesta cidade, a palavra baiano, para muitas pessoas não tinham o significado registrado nos dicionários. 
 
Com estranheza, tristeza e constrangimento, o recém-chegado a São Paulo, à medida que ia compreendendo o tom com o qual a palavra era muitas vezes usada em bares, ruas e outros ambientes populares, começava, aos poucos, a perceber o completo desligamento que se operava, naquelas ocasiões, dela com a naturalidade de quem nasceu num Estado brasileiro admirável por suas paisagens, por sua História, pela imensa contribuição dada às nossas artes. 
 
Ele descobria que era possível cometer um tipo de perversidade psicológica no emprego de uma única palavra. Aquela que, de um lado, retirava o orgulho natural  de quem já era conterrâneo de Gregório de Matos, Rui Barbosa, Castro Alves,  Jorge Amado, Ubaldo Ribeiro, Dorival Caymmi, Glauber Rocha, Mestre Bimba. E anos mais tarde, repartiria sua naturalidade com outras personalidades da cultura brasileira, como os compositores, cantores e atores Tomzé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Betânia, Wagner Moura, Lázaro Ramos. E ainda com cientistas como Milton Santos e Abdias Nascimento. 
 
E, de outro lado, tornava a palavra baiana designativa de ser humano desclassificado socialmente, desprezível, por sua suposta grosseria, ignorância e estultice. 
 
Este estranho fenômeno linguístico pelo qual se pode esconder e até apagar o significado original, natural de uma palavra da língua portuguesa, para transformá-la numa agressão verbal  humilhante certamente tinha raízes profundas nos conflitos da sociedade brasileira. Para entender este tipo de aberração manifestada na comunicação verbal que alimentava o convívio social entre os brasileiros teria sido necessário uma imersão nos campos da Sociologia, da Economia, da Psicologia e da  História. Desta imersão talvez brotar uma explicação plausível para aquela agressividade que os imigrantes baianos geravam em São Paulo.
 
Infelizmente, ainda, hoje, periodicamente, reaparece algum tipo de hostilidade como este contra brasileiros dentro do próprio Brasil. Não só em São Paulo, não só contra baianos. 
 
Recentemente a vitória de uma linda cearense no concurso que escolheu a nova Miss Brasil, e, logo em seguida, a enorme votação obtida pela presidente Dilma Rousseff no Nordeste, no primeiro turno das eleições presidenciais, reacenderam em alguns usuários da internet aquela antiga vontade de espezinhar nordestino. Porém, ao contrário do que acontecia antes em São Paulo, quando as vítimas eram os baianos, rapidamente se levantou um clamor de indignação na imprensa do país, na própria internet assim como entre nordestinos bem informados. Tomara que isto indique um avanço na compreensão de que nossas diversidades culturais é um enorme privilégio com que conta o Brasil. E de que devemos valorizar a identidade cultural de cada região nossa, celebrando seus encantos, belezas e originalidades.          
 

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