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O que significa ser escritor hoje no País? Censura, fama, lugar de fala e mais de um emprego

Ser escritor no Brasil é exercer uma atividade desafiadora. A escassez de políticas públicas de incentivo à leitura e a baixa remuneração aos autores são adversidades antigas e, infelizmente, habituais em nossa sociedade. Elas apenas foram incorporadas aos novos obstáculos impostos à categoria pela era moderna.

No entanto, mesmo com todas as dificuldades no ramo, a escrita não perde o glamour. Há aspectos fascinantes na imagem do escritor imerso em seus pensamentos, criando mundos e personagens a partir do nada, capturando a essência da alma humana com meras palavras.

Por isso, em celebração ao Dia do Escritor, no último dia 25, o <b>Estadão</b> conversou com 8 expoentes da classe literária para entender o momento atual da prática no País.

"É bastante romantizada", diz Andréa Del Fuego. "Tenho dificuldade em definir sequer como profissão. Não há empregabilidade (no sentido de que empresas ou editais públicos possam contratar – pode pela formação do autor, não propriamente por ser escritor), não há prazos, piso ou teto salarial, nem previsibilidade de que o próprio autor terminará seu livro em curso", acrescenta criadora de <i>Os Malaquias</i>, título que lhe rendeu o Prêmio José Saramago.

Raphael Montes, sensação do suspense brasileiro, encara a atividade como um trabalho concreto e físico igual qualquer outro. "Como o advogado senta e faz a petição, o médico vai para o hospital e faz a cirurgia, eu sento e escrevo meus livros", relata o dono dos best-sellers <i>Bom Dia, Verônica</i> e <i>Dias Perfeitos</i>.

Para garantir a subsistência e uma vida digna em 2024 (salve exceções), o escritor precisa se adaptar a novos formatos, dar palestras, fazer traduções, revisões, artigos para jornais, roteiros para o audiovisual, ou ter uma profissão paralela.

A paulistana Mariana Salomão Carrara conta ter um emprego público de alta demanda o qual a literatura provavelmente nunca substituirá. Ela encontra tempo para escrever nas férias e aos finais de semana.

"Ser escritora no Brasil é trabalhar com o prazer estético da língua lembrando o tempo todo da taxa de analfabetismo. Além das dores e culpas que o nosso país nos impinge o tempo todo, temos a falta de curiosidade dos outros países sobre nós", diz a romancista de <i>Se Deus Me Chamar Não Vou</i> e<i> É Sempre a Hora da Nossa Morte Amém</i>.

Caso similar é o de Carla Madeira. A mineira de 60 anos estabeleceu sua carreira no setor publicitário e levou anos para publicar o primeiro romance, <i>Tudo é Rio</i>. Hoje, ela é uma das autoras mais lidas do Brasil.

"Acho que os autores sabem, ou não demoram a descobrir, o imenso desafio que é ser escritor: viabilizar o tempo da escrita, publicar, ser lido. Se há romantização, ela dá com os burros nágua!", diz Carla.

"Tem um lado imaginado, fantasioso, o do sucesso, da fama, das entrevistas, do ser reconhecido na rua, das pessoas querendo selfies, das conquistas amorosas, do best-seller, das entrevistas na tevê, dos autógrafos. E tem a hora em que se ACORDA, se abre o olho e se cai na real", revela Ignácio de Loyola Brandão, colunista do <b>Estadão</b>, com 56 livros publicados.

Segundo pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), 84% da população adulta do Brasil não comprou nenhum livro em 2023. Logo, sobreviver da venda de livros é um luxo para poucos.

"Em toda minha carreira, e estou ativo desde 1965, só vi sobreviverem ou viverem mesmo dos livros no Brasil, o Jorge Amado, o Fernando Sabino, o Luis Fernando Veríssimo e o Paulo Coelho. O normal é ter um emprego que nos sustenta. Sempre fui jornalista. Faço palestras e aceito escrever livros institucionais, ou seja, de encomenda", confessa Brandão, também membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).

<b> Surgiu um novo tipo de ditadura </b>

A digitalização trouxe a possibilidade de publicação independente, em contrapartida, resultou na necessidade de conquista por espaço dentro de um oceano de conteúdo gratuito disponível na internet.
Apesar de se considerar um caso isolado, o qual as editoras não sabem como lhe "vender", Santiago Nazarian, de estilo alternativo e provocador, avalia haver uma fragmentação no mercado.

"Há escritores de autopublicação na Amazon que têm milhares de leitores e nem conhecemos. Tem os autorzões de respeito do prêmio Jabuti. Os best-sellers voltados a um público jovem. Autores do TikTok. Isso não quer dizer que ficou mais fácil. Há espaço para todos, ou quase todos, mas o número de leitores não se ampliou, apenas se fragmentou", afirma o autor de <i>Neve Negra</i> e <i>Fé no Inferno</i>.

Além disso, as pautas sociais se instalaram de forma definitiva no debate público e na produção artística, que ainda tenta compreender como incorporar as demandas de grupos historicamente oprimidos, mas sem ferir a liberdade de criação.

"Agora existe o chamado lugar de fala. Você só pode escrever sobre negros, se for um. Se for, homossexual, lésbica, trans, indígena, não saia de seu quadrado. Há normas, regras, proibições, condutas, imposições. Afrontá-las é grave. Você pode ser cancelado definitivamente. Ou seja, surgiu um novo tipo de ditadura", diz Brandão.

Por outro lado, Noemi Jaffe, premiada por <i>A Verdadeira História do Alfabeto</i>, conta não se sentir tão afetada pelo movimento em prol desses segmentos.

"No meu caso, presto mais atenção a alguns termos e tenho uma preocupação maior com o tratamento de alguns temas. Não acho que a literatura seja um trabalho temático e sim, principalmente, um trabalho formal. Importa, na literatura, mais o como do que o quê e acho que, no Brasil, ainda precisamos amadurecer esta ideia", explica.

"Felizmente, por causa das pautas identitárias, o autor hoje tem mais responsabilidade pelo que ele escreve. Há uma ideia errônea de que o escritor deve escrever sempre sobre o que ele é, só que isso não é ficção. O escritor de ficção pode escrever sobre qualquer personagem. Essa é a delícia da ficção, desde que o faça com responsabilidade", opina Montes.

Como se todas essas particularidades já não fossem suficientes para afetar o fazer literário, casos de censura são comuns no Brasil. Exemplo recente é o livro de Jeferson Tenório, <i>O Avesso da Pele</i>, que foi recolhido de escolas públicas pelos governos dos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás. A alegação foi de que a obra apresenta "expressões impróprias" para menores de 18 anos.

"O que aconteceu com <i>O Avesso da Pele</i> foi bastante grave. Isso pode nos levar a outros patamares, como a queima de livros, e depois até a privação de liberdade das pessoas. Vimos estratégias para censurar temas que são muito importantes, como a abordagem policial e o racismo estrutural. É bastante perigoso quando privamos os alunos de terem acesso a discussões sensíveis e profundas", diz Tenório.

Fato é que a vida do escritor brasileiro enfrenta um futuro incerto que depende da luta constante pela valorização da classe em meio a um ambiente cada vez mais competitivo e complexo.

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