Mundo das Palavras

O Saci entrou no Mestrado

São cinco pessoas ligadas ao ofício de quem se preocupa com a produção de textos: alunos e professores de Jornalismo. Três, acabam de concluir a graduação na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul: Eduardo, Júlio e Márcio. As outras duas são doutores na área de Comunicação. Uma delas, Ruth, é a orientadora dos três alunos. A última, Dimas, coordena o Mestrado da mais antiga escola de Jornalismo do país, a Cásper Líbero, em São Paulo.


Dimas não conhece Ruth e seus alunos. No entanto, os cinco, embora separados fisicamente, estão ligados pela força do mesmo encantamento: o provocado pela percepção dos múltiplos efeitos e dimensões de uma estrutura de texto, a narrativa.


Ao longo de 2011, os alunos de Ruth se dirigiram ao Pantanal com a expectativa de colher algumas histórias transmitidas oralmente por gerações entre os habitantes daquela região. Ficaram impressionados com a descoberta de que algumas das histórias que procuravam, como por exemplo, as que têm o Saci como protagonista, possuem, ali, uma dimensão inimaginável na cidade grande. Para os pantaneiros, ouvi-las – perceberam os alunos de Ruth – não é apenas uma oportunidade de entretenimento, nos fins de tarde. As narrativas, na verdade, dão a eles algo semelhante a uma Filosofia, de grande valor prático.


Um senhor, Geraldino, disse para os formandos em Jornalismo: – O Saci é meu protetor. Geraldino acrescentou que nunca viu o Saci, mas, revelou, se comunica com ele através de assovios. E, continuou – Ele é um pai, é um parceiro do homem do campo. De qualquer perigo ele te protege.


Geraldino deixou os jovens ainda mais impressionados quando começou a apontar para um relacionamento misterioso, denso, sexualmente ambíguo, com o Saci. Disse que o Saci era ciumento e não gostava de mulher. – Desde os meus 14, 15 anos peguei matrimônio com ele. Na cidade, vocês não sabem de nada porque têm o padre, mas a gente no campo não tem nada para pedir proteção. Então, meu pai sempre me disse para ser fiel ao Saci.


Geraldino nunca foi ouvido por Dimas. No entanto, em São Paulo, sem sequer conhecê-lo, Dimas como coordenador de um grupo de pesquisa, vem militando na defesa de uma visão da narrativa que, para usar uma palavra muito cara a ele, “compreende” perfeitamente a relação de Geraldino com as histórias do Saci. No livro “Comunicação, jornalismo e compreensão”, Dimas inseriu estas histórias no campo das mitologias, segundo ele, “habitado pelas mais profundas preocupações humanas”, capazes de gerar não só Filosofia como, também, Ciência e Religião. Ele escreveu: “A história do Saci- Pererê, apenas para trazer um exemplo,  é mais do que uma simples história. Jamais é estória”.


Portanto, se, antes, era encarada, dentro do Jornalismo, como mera forma de organização textual capaz de proporcionar prazer de leitura, a narrativa está, agora, alçada a um nível muito mais alto. A partir do qual se pode vislumbrar, inclusive, um modo novo de formar jornalistas. Novo porque mais aberto à compreensão das pessoas diferentes.


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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