O autor querido se despediu dos milhares de leitores que tinha conquistado no Brasil. Num texto publicado pela Folha de São Paulo, ele lembrou do que disse Fernando Pessoa, num verso. As estrelas lhe causavam pena, por brilharem por um tempo desmedido.
Rubem Alves estava com 78 anos de idade. Educador, espalhara um modo belo e generoso de encarar as pessoas em vinte e oito livros. De Literatura infanto-juvenil, Crônicas, Filosofia da Ciência e da Educação, Teologia, Filosofia da Religião, e, ainda, numa biografia de Gandhi.
Nos últimos anos, vinha escrevendo regularmente para aquele jornal. Onde, dizia, conseguira realizar um dos seus grandes sonhos de escritor. O de dispor de um amplo público.
Mas, queixava-se, àquela altura, estava exausto. Repetindo outro trecho do poema de Pessoa, indagou: “Não existirá um cansaço de todas as coisas?”.
No seu caso, o cansaço tinha origens no Jornalismo. Sentia-se aprisionado no presente. “Notícias: coisas do dia, que amanhã estarão mortas”, escreveu ele. Com o seu senso de relevância sempre ativado. “Não é qualquer coisa que se pode publicar num jornal”, achava.
Mas aquela sensação tinha também causas mais profundas. Como a incômoda impressão de já ter dito tudo. Admitiu: “pode ser que não seja assim, mas é assim que eu sinto. Não tenho novidades a escrever”. Associava a esta sensação, um gosto antigo seu, recuperado. Que, imaginava, Carlos Drummond tinha percebido em Clarice Lispector. O de cultivar “uma certa ausência do mundo”. Rubem devia saber que o mesmo gosto fora externado, mais de um século antes, por outra mulher genial, a matemática russa Sofia Kovalesvskaya. Dissera ela: “Não há palavras para expressar a doçura de sentir que existe todo um modo do qual o Eu se encontra ausente”. E que o escritor francês Ignace Lepp, ao visitar um convento, encontrou um monge que chorava quando ouvia uma voz humana, tão longo era o tempo que cultivava sua paixão pelo silêncio na sua cela.
Em novembro de 2011, quando ao se despedir foi neste silêncio que Rubem mergulhou. Não era ainda o definitivo. O silêncio de quando o homem se aquieta. E pode ser visto na inteireza dos atos que praticou como nobre ou mesquinho, amável ou ignóbil. Porque nenhuma ação boa ou má pode mais executar
Este silêncio envolveu Rubem, dois anos e meio depois. Mas Rubem continua a brilhar, nos seus livros. Agora, sem o perigo do cansaço. Sem causar pena em poeta.