No quadro “O quarteto”, a visão do silêncio guardado pelos músicos revela a imersão deles numa outra realidade, paralela à nossa, mais profunda porque imune à agitação estéril. A realidade misteriosa e encantadora da música. O silêncio é visto de fora dele. Mas a habilidade do pintor faz com que nos sintamos convidados a penetrar no labirinto abissal só alcançável por meio da música.
No quadro “Qual é o limite”, o silêncio da moça. Sua cabeça está recostada no braço. O qual, por sua vez, ela apóia no parapeito da varanda de sua casa. O rosto pensativo volta-se para nós, espectadores. Como no caso dos músicos, o olhar dela não está fixado em nós, nem em qualquer elemento da paisagem externa. Direciona-se para baixo. Um olhar de quem se retirou da realidade à sua volta, para pensar naquilo que o quadro também mostra: a gravidez, a música, um rapaz, numa noite de luar.
No quadro “Fim de tarde”, um casal ao fundo. Adiante, o músico com seu violão. Em primeiro plano, quatro mulheres sentadas
Uma das mulheres se recosta na parede da porta – aberta – da sala. Pela porta se vê uma singela praça interiorana. Ao longe, outro casal conversa. Mas algo nos faz crer que falam em voz baixa. Talvez, pela proximidade de um homem, encostado num poste. No meio da praça, uma mulher, sozinha, de cabeça baixa, sob a copa de uma árvore.
No quadro “Interior de atelier”, o silêncio criado pela ausência física do pintor. Mas ele está ali, ainda assim. De modo, gritante. Em primeiro lugar, na escolha do local onde instalou seu atelier: próximo da janela pela qual se pode ver uma moça atravessando a rua. O dia é alegre, iluminado pelo sol. Em segundo lugar, no quadro que está sendo pintado no atelier. Reproduz uma casa e uma árvore da paisagem vista pela janela. Em terceiro lugar, no uso de objetos pelo pintor: a toalha onde limpa suas mãos, a caneta pousada sobre a carta esquecida na janela, a página do livro aberto sobre o assento do sofá.
Nestes quadros de Waldomiro Santana, a mesma densa visão da vida, expressa através da delicadeza que impregna muitas situações do cotidiano. É inacreditável que alguns críticos se limitem a elogiar a habilidade e a sutileza de Waldomiro na captação desta delicadeza. Sem se dar conta que a delicadeza remete sempre a alguma coisa além dela própria. À dimensão transcendente do ser humano. Manifestada na capacidade que as pessoas têm de criar, de sonhar.
Mostrar esta dimensão com silêncio e olhar baixo é uma grande proeza para qualquer artista. Maior ainda quando realizada com a sábia simplicidade lírica dos quadros de Waldomiro Santana.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP