Mundo das Palavras

O sonho de revolução

Os jornais vêm publicando diariamente textos sobre as agitações políticas em sociedades milenares como as da Tunísia, do Egito, da Argélia e da Jordânia.



Nestes textos, a internet é apresentada como influência poderosa. Seria a rede mundial de computadores que estaria estimulando a movimentação de grandes massas naqueles países, com a difusão de informações. Através da recepção de informações os habitantes daqueles países teriam despertada a consciência dos desrespeitos a seus direitos por parte de governos corruptos e autoritários.


 


Em resumo, a internet atuaria da mesma maneira que o professor Sinegaglia, o personagem de Marcelo Mastroianni, no filme “Os Companheiros”, dirigido por Mario Monicelli, embora, com muito maior alcance e eficiência. O professor do filme se torna um apóstolo da Justiça Social, quando chega, desempregado, a Turim, num período de exploração desmedida dos trabalhadores – os anos de passagem do século XIX para o XX. Ele se mistura com os operários e passa a ajudá-los na organização de sindicatos, o único caminho de que dispunham para se defenderem da ganância excessiva dos patrões. Aos poucos, o professor se transfigura num ativista completamente entregue àquela missão. Como um nômade, viaja permanentemente, de cidade a cidade, estendendo sua atuação pela Itália.


 


O personagem de Mastroiannii acalentou o espírito de muitos jovens, durante a ditadura militar implantada no Brasil, a partir de 1964. Parecia irresistível a eles, a dedicação à defesa da Justiça Social, como a que mostrava, com generosidade e grandeza, o professor do filme. Pelo sonho de se engajar na luta dele valia a pena morrer, se fosse necessário. Sobretudo, no período de intolerância política, então, atravessado pelo Brasil, quando a morte se colocava para os jovens como uma opção interessante diante da absoluta falta de perspectivas animadoras.


 


Naquele momento, se aguardava com muita esperança uma libertação coletiva, no Brasil para o qual se contribuía de algum modo. Quando ela eclodisse, acreditava-se, exibiria a um espetáculo único, de solidariedade humana e capacidade de sonhar.


 


Depois, houve a redemocratização do país, com suas contradições, ambigüidades e imperfeições. Os projetos existenciais dos jovens passaram a conter outro tipo de dramaticidade, criada pela incerteza de acesso ao mercado de trabalho.


 


Mas, ainda, hoje, há, no Brasil, quem precise sacrificar sua vida para defender trabalhadores tão desprotegidos quanto os do filme de Monicelli. A freira Dorothy Stang, assassinada com seis tiros, aos 73 anos de idade, por lutar pelos direitos dos trabalhadores do campo, em Anapu, no interior do Pará, é apenas um exemplo.



 


Por isto, parece tão comovente o esforço de grande parte da população da Tunísia, do Egito, da Argélia, e, da Jordânia, na busca de democracia.


 


O esforço coletivo empreendido naqueles países nos lembra aquilo que impulsionou os jovens brasileiros perseguidos pela ditadura militar. A convicção de que nenhum ser humano é obrigado a viver sob o tacão de um tirano.   


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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