“É uma apaixonada pelo teatro e seu olhar revela essa paixão”, escreve a atriz Leona Cavalli, em uma das páginas de Teatro Oficina – Fotografias, de Lenise Pinheiro. Lançado pela Imprensa Oficial, o livro revela, ao longo de 472 páginas, a íntima e duradoura relação entre a fotógrafa e o teatro do diretor José Celso Martinez Corrêa.
São 23 os espetáculos documentados. Um percurso que se inicia com a montagem As Boas, em 1991, e chega à atualidade com a documentação de uma parcela da Odisseia Cacilda – ciclo de quatro peças que o grupo Teatro Oficina Uzyna Uzona dedicou à atriz Cacilda Becker nos últimos dois anos.
A história do Oficina remonta ao final dos anos 1950, quando surgiu como grupo de teatro amador. Na década seguinte, o conjunto se profissionalizou e amadureceu, criando obras emblemáticas como O Rei da Vela, em 1967, e Galileu Galilei, em 1968. Uma trajetória ascendente interrompida com a prisão e o exílio de Zé Celso, em 1974.
O foco de Lenise Pinheiro, portanto, recai sobre o período de ressurgimento do Oficina, já na década de 1990, e o seu novo ciclo criativo. Em As Boas, adaptação de As Criadas, de Jean Genet, Zé Celso, Marcelo Drummond e Raul Cortez dividem a cena. O conflito social evidenciado pelo autor francês era mantido. Mas as imagens da fotógrafa captam, em preto e branco, o tom de deboche e anarquia que atravessam a montagem. A última, aliás, antes que o grupo se transferisse para a atual sede, o edifício envidraçado no Bexiga, projetado por Lina Bo Bardi.
Existem outros fotógrafos que se destinam a documentar a cena teatral de São Paulo. Colaboradora da Folha e uma das autoras do blog Cacilda!, Lenise se diferencia pela persistência de seu trabalho – são décadas acompanhando diariamente o que se passa nos palcos e coxias da cidade. E, sobretudo, pela intimidade com a qual exerce o ofício.
Percorrer a trilha cronológica sugerida pelo volume ajuda a vislumbrar essa proximidade crescente, entre fotógrafo e fotografados. À medida que passa o tempo, a simbiose se acentua. E olhar, antes externo, torna-se endógeno. A ponto de Lenise passar a participar dos processos de criação e produção das obras.
Zé Celso explode o palco italiano, explora as possibilidades arquitetônicas do espaço projetado por Bo Bardi e quer tirar o espectador do estado de apatia. As fotografias captaram esses movimentos. E tornaram-se mais e mais aderentes aos atores, trazendo expressões em close, recriando as cenas, reorganizando-as ao sabor das lentes. Se, em Ham-let (1993), acompanhamos panorâmicas, em Os Sertões (2002) somos convidados a testemunhar miradas muito particulares. Vislumbres carregados de pessoalidade.
Outra mudança perceptível no caminho da artista está na escolha dos retratados. Diretor e intérpretes passam a dividir o protagonismo com os técnicos, com aqueles que gravam em vídeo as encenações e, principalmente, com o público – que deixa de ser uma massa desfocada e amorfa para ganhar contornos bem definidos.
Para dar conta do que vai nas imagens não há textos didáticos. Mas apenas relatos afetivos dessa relação. Lígia Cortez fala de sua discrição, as roupas negras para passar despercebida em cena. Pascoal da Conceição diz de sua capacidade de produzir momentos.
Antes de entrar propriamente no terreno dos espetáculos, Lenise ensaia um prólogo: são retratos dos personagens não de uma trama específica, mas dessa teia de duas décadas ao lado do Oficina. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.