Quando o texto foi escrito, seu autor era, para os familiares dele, vizinhos e ex-colegas de trabalho, apenas um jovem calado, retraído, que vivia sozinho numa casa herdada de seu pai, já morto. Ninguém se lembra de nenhum comportamento dele mais estranho ou ameaçador, no passado, a não ser uma admiração por atos terroristas, encarada como uma simples excentricidade de quem busca originalidade e atenção.
Contudo, no seu silêncio, retraimento e isolamento, o jovem guardava muitas lembranças. Só exteriorizadas no texto que a Polícia encontrou em sua casa, depois divulgado pelos meios de comunicação, quando o jovem já havia abalado boa parte do mundo: “Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por um grupo. E todos os que estavam por perto debochavam, se divertiam com as humilhações que eu sofria, sem se importar com meu sofrimento”. O jovem se referia ao período em que estudou na escola pública, reconstituído por seus colegas de turma diante das câmeras de uma emissora de tv.
Um dos colegas do autor do texto disse que ele vivia “num mundo só dele”. Outro, lembrou das cenas de humilhação pelas quais ele, adolescente, passou: “É verdade, uma vez, o carregaram e o jogaram numa lata de lixo. Outra vez, o carregaram de cabeça para baixo. Puseram a cabeça dele dentro da privada da escola. E apertaram a descarga. As meninas eram instigadas a também mexerem com ele. Ele ficava muito acuado, muito envergonhado”. Pessoas como os agressores da escola o jovem responsabiliza, no texto, oito anos depois, pelo que ele iria fazer para chocar o mundo. Ele os descreve como alguém que ridiculariza outra pessoa “pela sua aparência física, vestimenta ou qualquer que seja o motivo”, humilha e agride, se aproveita da inocência e da bondade.
Aqueles agressores – os que “gostam de se aproveitar dos fracos e indefesos” – são considerados por eles como infiéis a Deus. Ele os junta num único grupo – o dos infiéis – com os “fornicadores, adúlteros, pecadores”. E menciona “uma rede de combates aos infiéis”, formada por outros jovens a quem ele chama de irmãos. Entre eles, três autores de atentados a escolas, aos quais parabeniza. A um deles elogia “pela sua excelente atitude que ajudou no combate aos maus”.
A leitura destes trechos do texto divulgados pela mídia parece dar algum sentido às primeiras linhas dele, nas quais o jovem diz: “Quero deixar claro que eu não sou o responsável por todas as mortes que ocorrerão”. Embora, meus dedos, ele acrescenta, sejam os responsáveis “por puxar o gatilho”.
É óbvio que, na trajetória de seu autor, o texto é uma linha divisória, entre o momento em que ele é apenas um jovem ressentido, com planos salvacionistas fundamentalistas, e, o momento em que horrorizou milhões de pessoas. Se o texto tivesse sido encontrado antes, talvez os alunos da escola pública, hoje, sequer o conhecessem. Mas, o momento da descoberta do texto também foi planejado por ele.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP