Jornalistas que gostam de apreciar o modo como determinado colega redige têm, às vezes, um modo peculiar de expressar um tipo percepção de estruturação de texto. Dizem: “Ficou redondo”. Na linguagem de Redação de jornal isto significa que o texto lido retornou, no final, a seu ponto de partida.
Neste caso, a experiência profissional jornalística parece induzir à suposição de que o comentário necessariamente se refere a um texto narrativo. Muita gente acredita que só uma narrativa pode ser “arredondada”. Quando, por exemplo, um autor começa a tratar um personagem dentro de um plano de tempo, ao qual ele volta, depois.
Suponhamos que ele esteja criando um perfil biográfico de certo cantor famoso. Ele pode iniciar narrando a última grande apresentação do artista. Depois, com sucessivos cortes narrativos de tempo, pode reconstituir uma apresentação do cantor no início de sua carreira, um momento da infância dele, e, assim por diante. Até retornar ao plano de tempo daquela apresentação mais recente, para encerrar seu trabalho, “arredondando-o”.
No entanto, um texto dissertativo também pode ser finalizado com um retorno a seu eixo central, o tópico frasal, introduzido logo em seu ponto de partida, ou, quando muito, antecipado somente por uma introdução. Também neste caso haveria um texto “redondo”.
Vamos imaginar uma situação em que ele possa surgir. Um repórter acaba de chegar a São Paulo, depois de permanecer na Amazônia realizando algum tipo de trabalho. Na Redação forma-se em torno dele um pequeno grupo de colegas curiosos para ouvir o que ele tem para contar. O repórter começa com uma tese, um ponto de vista, portanto, valendo-se de um tópico frasal. Diz: “A Amazônia é muito diferente da imagem que os órgãos de comunicação divulgam dela”. Em seguida, apresenta o segundo elemento típico de uma dissertação: a fundamentação do tópico frasal. Acrescenta: “Em vez de somente rios caudalosos e árvores frondosas, como mostra aquela imagem, encontrei em Belém um Centro Histórico com cerca de 2.000 imóveis reveladores do intenso e rico processo de formação cultural em desenvolvimento ali há 400 anos”. O repórter continua a fundamentar seu ponto de vista, com dados sobre o que foi gerado na região, naqueles quatro séculos, em diferentes áreas artísticas e científicas. Depois, conclui: “Em suma: a Amazônia não é apenas um santuário ecológico, como os meios de comunicação querem nos induzir a acreditar”.
O arredondamento do texto oral dissertativo do repórter surgiu, deste modo, como um resumo do que ele já havia dito. Mas poderia também ter surgido como uma proposta. Ele poderia tê-lo concluído assim: “Portanto, vamos ficar alertas com relação ao que é veiculado sobre a Amazônia”. Ou, de um modo mais criativo, como lembra Othon Garcia, em “Comunicação em prosa moderna”, com um verso, uma citação, uma piada, que trouxesse, implícita, uma referência a seu ponto de partida. Por exemplo: “Como dizia, com razão, o desconfiado humorista Aparício Torelly, há mais coisas no ar, além dos aviões de carreira”.
Há, assim, na verdade, três possibilidades de “arredondamento” do texto dissertativo.