Josyara Lélis tinha uns 10 anos quando encontrou, no alto de um guarda-roupa, o violão do seu avô. Aqui, imagina-se, viria a história de como aquela garotinha sentiu um arrepio percorrer sua pele de menina ao tocar as cordas e produzir som no instrumento pela primeira vez. Seria uma história daquelas, mas não seria a história de Josyara. A guria decidiu por destruir o violão do avô, mesmo.
Pode ter sido birra, pode ter sido uma vontade de criança de destruir o que estava pela frente – algum psicólogo teria alguma profundidade para analisar o fato -, acontece que Josyara hoje é conhecida justamente pela relação com o instrumento que, 14 anos atrás, destruiu. Hoje, ela e o violão são como um só. E ela, natural de Juazeiro, na Bahia, há quatro anos moradora de São Paulo, coloca o instrumento em choque com elementos eletrônicos em seu segundo álbum de carreira, o primeiro realizado com o auxílio do edital Natura Musical.
O título escolhido para o trabalho, que chega seis anos depois da estreia, dá a ideia desse choque – ou desse diálogo, como explica Josyara – que ela pretende com a sonoridade do álbum. Mansa Fúria, o álbum lançado nesta sexta-feira, 24, nas plataformas digitais, é isso: calmaria e explosão nesse embate. É também o encontro do violão de ritmo inebriante de Josyara com alguma experimentação eletrônica. Tradição e o novo. O acústico e o elétrico. É tanto diálogo entre extremos que o álbum parece ser feito para 2018 e seu tempo da falta de diálogo entre opiniões opostas.
“Diálogo, é isso”, diz Josyara, ao dar início ao papo sobre seu novo trabalho. “Quando surgiu a ideia de gravar o álbum com o edital, eu queria começar um diálogo com elementos eletrônicos na minha música, fazer alguns experimentos com texturas. Pensei que era o momento de tentar realizar isso.”
Mansa Fúria é uma reunião de canções que já estavam no repertório da artista há alguns anos. Passaram pela nova roupagem para estarem reunidas aqui. Uma mesma linha costurou todas as 12 canções em uma narrativa única, organizada por Josyara, autora de todas as faixas e também diretora artística do trabalho, e Junix 11, responsável pela produção do disco.
De Uni Versos, a estreia da artista, há pouco disponível na internet. Não são todas as músicas disponíveis no YouTube ou no Spotify. Esse repertório de 2012, parte dele, “não fazia muito sentido nos arranjos”, conta ela, quando o mundo virtual, da música digital, passou a ser essencial para os artistas.
Talvez, por isso, Mansa Fúria tenha um sabor de estreia. Estreia, não, de reapresentação. Porque agora, ao que se escuta, Josyara está de bem com sua identidade estética, sua sonoridade tão própria, nascida a partir do violão da escola do recôncavo baiano. É um violão percussivo, que batuca suas cordas e seu corpo. Ritmado, ele dita as construções harmônicas em Mansa Fúria.
Na faixa-título, por exemplo, a voz de Josyara é tensa, com canto sobre perdas, recomeços. Ao fim do canto, com dois minutos de canção, entram em ação as intervenções eletrônicas. O looping coloca a voz da artista para ecoar suas últimas palavras, “o mar”, “o mar”, “o mar”, e se vai. Faltam mais dois minutos instrumentais e o que se mantém, firme e forte, é o dedilhado do violão. É ali que Josyara escancara quem é o condutor da canção. Não é a voz – ela funciona como um adicional -, é o instrumento.
Violão também é o carinho e é a lembrança de casa. “Acho que é um disco que fala muito de saudade”, ela explica. “Eu sou uma pessoa que vive nessa saudade. Quando eu estou aqui (em Salvador, cidade na qual morou entre Juazeiro e São Paulo) tenho saudade de São Paulo. Quando estou em São Paulo, tenho saudade daqui”, ela diz. O violão, inteiro, permanece com ela.
JOSYARA
CCSP. Rua Vergueiro, 1.000, tel.3397-4002.
5ª (6/9), às 21h. R$ 10 a R$ 20.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.