Foi em 2004 que Alex Klein se deu conta de que seu sonho de infância havia sido destruído. Desde 1996, ele ocupava o posto de primeiro oboé da Orquestra Sinfônica de Chicago, um dos maiores grupos do mundo, então dirigido pelo maestro Daniel Barenboim. Mas, a certa altura, começou a viver o pesadelo temido por qualquer músico: foi diagnosticado com distonia focal, doença neurológica que afeta os comandos cerebrais, produzindo movimentos involuntários. “Dois dedos da minha mão esquerda ficaram independentes do meu cérebro”, ele conta, a voz ainda tornada grave pela lembrança. “Foram três anos de negação. Eu fingia que não havia um problema, era a única forma de continuar vivendo”. Até que se viu obrigado a deixar o grupo. “Foi devastador.”
O sonho de infância de Alex Klein havia começado na região sul do Brasil, nos anos 1960. Nascido em Porto Alegre, ele aos 11 anos já era convidado a integrar a Camerata Antiqua de Curitiba, onde acabou se formando. De lá, foi para os Estados Unidos – com uma parada na Europa, onde venceu a Competição Internacional de Música de Genebra. Tocar em Chicago foi a consequência natural de sua carreira como músico. Chegou a gravar um CD como solista da orquestra, premiado com o Grammy. “Mas, de repente, aquilo desapareceu.”
Klein voltou para o Brasil, buscou refúgio na casa dos pais no Paraná. “Voltei para convalescer. Tudo o que eu sabia a meu respeito acabara. Foi uma completa perda de identidade”, explica. E foi preciso algum tempo antes que ele achasse forças para começar a pensar em uma alternativa.
Sem o oboé, como permanecer em contato com a música? A volta à terra natal, e a memória dos cursos de regência na juventude, lhe deram as pistas da resposta. “Comecei a pensar no trabalho como maestro, assim como na possibilidade de me dedicar ainda mais ao ensino. Era um caminho.”
Um caminho, sim, mas não sem incidentes. Entre os postos ocupados por Klein nessa nova fase da carreira, houve uma passagem rápida, no final de 2010, pela direção artística do Teatro Municipal de São Paulo. Ficou lá durante apenas quatro meses. “No Brasil, a cultura ainda está repleta de pessoas que ganham cargos por indicações políticas, sem a menor ideia do que estão fazendo. O problema nem sempre é falta de dinheiro, mas sim o modo como se usam as verbas. Meu superior imediato no Municipal não tinha ideia do que era cultura. E do que deve ser um teatro. Eu assumi com uma proposta de modernização, querendo colocar o teatro no mapa internacional. Mas, para isso, não adianta olhar no espelho e dizer que você tem reputação internacional, quando sua influência não vai além do Rodoanel.”
Diálogo
“A constatação principal, na verdade, é de que as instituições precisam evoluir. E isso significa maior interação e a aceitação, de quem está à frente delas, da necessidade de certa perda de poder. Projetos mais participativos se organizam e andam de forma diferente”, diz Klein. E foi por esse caminho que ele se enveredou nos anos seguintes. Primeiro, no Festival de Música de Santa Catarina, que ele criou em 2006. “Foi uma felicidade poder começar do zero”, ele lembra. E a experiência o preparou para seu trabalho seguinte, que o levaria à Paraíba.
Klein chegou a João Pessoa em 2012, para renovar a Orquestra Sinfônica da Paraíba. Mas com a educação musical na cabeça. Nascia, assim, o Prima, projeto de inclusão social pela música. “Nós começamos com um polo, hoje estamos em dez cidades, com mais de 1.500 alunos.” A experiência foi marcante. “Ouvimos sempre que a música muda a vida das pessoas. Mas eu precisava ver isso na prática, entender como funcionava. E, nesses anos, foi isso que eu vi. Para muita gente, o Nordeste é algum lugar perdido entre a Namíbia e Moçambique. E eu vi como a música dá a centenas de jovens uma nova vida. Eles deixam de ser invisíveis. Para quem não tem oportunidade alguma, a música oferece uma sensação incrível: a cada descoberta, a cada avanço, você se descobre capaz e quer mais. É um vício positivo.”
Retorno
O oboé permaneceu, durante todo esse tempo, ao seu lado. “Precisei aprender limites. Podia estudar apenas uma hora por dia porque, além da distonia, o esforço levava à tendinite. Com esses cuidados, dava para tocar um pouco. Mas Chicago era passado”, conta o músico, que fez adaptações no instrumento para seguir tocando. Até que, em abril deste ano, voltou a tocar mais uma vez com a orquestra, como convidado. “E então o maestro Riccardo Muti, diretor atual da orquestra, veio falar comigo sobre a possibilidade de eu voltar.”
Foi um turbilhão – interrompido por necessidades práticas. “Eu precisei fazer novamente audições para o posto, mostrar que podia honrar o passado e mostrar que tenho futuro.” Conseguiu. E esta semana ele volta oficialmente ao posto abandonado em 2004.
“Sinceramente, ainda não estou acreditando. Estou vivendo, mais uma vez, um sonho. Eu estive no céu, caí, e agora voltei.” A partir de agora, ele passa a atuar como consultor e captador de recursos para o Prima, que ganhou nova diretora: Priscila Santana, que já trabalhou nos Núcleos de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojiba). “Fui forçado a me reinventar aos 40 anos. Foi algo incrivelmente difícil e dolorido. Doeu muito”. Mas fez dele também um artista diferente. “Estar no sertão da Paraíba e ver a música deixando de ser um privilégio de poucos é algo que te faz acreditar que a sociedade pode ser melhor.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.