Estava na Paraíba o disco A Peleja do Diabo com o Dono do Céu (1979), de Zé Ramalho, que o artista Bruno Faria tanto queria. “Foi difícil encontrá-lo com o encarte em boas condições”, diz o recifense, de 33 anos, residente em São Paulo. Mais do que nas músicas, ele estava interessado, na verdade, na capa e no ensaio fotográfico do álbum que, curiosamente, traz o músico ao lado de personalidades como o cineasta Zé do Caixão, a atriz Xuxa Lopes e o pintor e escultor Hélio Oiticica (1937-1980) vestindo um de seus parangolés – neste caso, uma capa azul simbolizando “a antiarte por excelência”.
Desde A Peleja do Diabo, adquirido por R$ 90 pela internet, Bruno Faria já colecionou 110 discos de MPB – e sua ideia é chegar a 150 LPs. O acervo de raridades vai configurar sua mais nova instalação, Introdução à História da Arte Brasileira 1960/90, a ser exibida a partir de setembro na Galeria Sancovsky, localizada na Praça Benedito Calixto, 103, no bairro de Pinheiros. “O trabalho parte da convergência entre as artes visuais e a música, mas também cria um jogo com esse título”, diz o artista. De uma forma inteligente, sua obra de raiz conceitual promove abertura para distintas abordagens.
Em termos de mercado, por exemplo, o álbum de Zé Ramalho com o parangolé de Oiticica (também autor da capa de Legal, de Gal Costa, de 1970) já se tornou tão emblemático de uma época de experimentação artística no Brasil a ponto de um colecionador norte-americano ter comprado um exemplar do disco por cerca de US$ 500, conta a galerista Jaqueline Martins. Representante da artista Regina Vater, que criou a capa de Calabar, de Chico Buarque, a marchande afirma que a Tate, de Londres, está interessada em adquirir um exemplar desse histórico trabalho para a coleção do museu britânico.
Entretanto, esse é apenas um dos temas trazidos à tona por Introdução à História da Arte Brasileira 1960/90. Assim como o Museu de Arte Moderna do Rio exibe, atualmente, as capas de Rogério Duarte para LPs de João Gilberto, entre outros, a pesquisa de Bruno Faria elege, principalmente, “a questão da visualidade de cada época”, como diz Douglas de Freitas, curador da exposição DentroFora, da qual o projeto do artista faz parte. “Gastei até agora uns R$ 12 mil comprando os discos”, conta o recifense, que recebeu verba da galeria para a aquisição das peças.
Da história das artes, sua instalação passará pelo concretismo/neoconcretismo através do “disco-objeto” Transa (1972), de Caetano Veloso; pelo Movimento Armorial com os encartes do Quinteto Armorial que trazem xilogravuras de Samico; pela explosão da pintura na década de 80; e pela arte de Arthur Bispo do Rosário, esquizofrênico-paranóico que criou suas obras na Colônia Juliano Moreira. Há também outra janela, a da história do Brasil com citações à censura e ao estouro da aids.
Outra curiosidade da obra é o resgate de uma prática específica nas artes gráficas. “Para o vinil, tínhamos uma área de 30 X 30 cm; o CD não tem graça nenhuma para o artista gráfico”, afirma Guto Lacaz. Sumidade no campo, ele concebeu obras referenciais como a capa de O Melhor dos Iguais, do Premê. Já Alex Flemming criou, em 1985, o encarte do álbum e o logo da banda RPM, um dos maiores sucessos da época. “Foi uma experiência única, mesmo que não tenha ganhado nada de dinheiro com ela”, lembra.