Nos anos 1960, havia um endereço em São Paulo (Rua Vergueiro, 688) que praticamente todo poeta conhecia. Funcionava ali uma pequena editora que levava o nome de seu proprietário, Massao Ohno. Pequena, mas rara – durante cinco décadas, Ohno foi um dos principais editores independentes do Brasil. Por seu trabalho artesanal, era mais um artista do livro que um empresário. Além de seguir mais sua sensibilidade do que as possibilidades de mercado na definição dos autores, ele ainda tratava o livro como obra de arte, escolhendo cuidadosamente o projeto gráfico e o artista criador.
A comprovação de seu gosto apurado pode ser feita em Massao Ohno, Editor (Ateliê Editorial), escrito e organizado pelo crítico e professor José Armando Pereira da Silva. A partir do levantamento da produção editorial de Ohno, que morreu em 2010, o livro traz a reprodução de 174 capas assinadas por artistas diversos (como Manabu Mabe, Wesley Duke Lee e Cyro Del Nero, entre outros) e que comprovam seu culto pelas artes gráficas e plásticas.
Dentista de formação, Ohno iniciou-se como editor na década de 1950, publicando apostilas para cursinhos pré-vestibulares. Logo, começou a editar autores então desconhecidos, mas com um potencial observado por ele. Ohno militou ainda na Ação Popular, no combate à ditadura militar e foi um dos produtores do filme O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla. Sobre seu trabalho, Pereira da Silva respondeu às seguintes questões.
<b>Você acredita que Massao Ohno não teria realizado um trabalho tão inovador caso não adotasse o estilo quase artesanal de editar?</b>
A independência, a percepção e a coragem de Massao asseguraram sua atividade inovadora como editor. Paranoia, de Roberto Piva, por exemplo, pela ousadia de temas e linguagem, não encontraria ninguém disposto a editá-lo. O mesmo ocorreu com Hilda Hilst, cujo Caderno Rosa de Lori Lamby ela queria que fosse editado pela Brasiliense, mas foi recusado, e ela encaminhou para Massao. Só um editor independente, livre de compromissos empresariais, podia assumir riscos, lançando autores novos e privilegiando o gênero poesia – esse "veneno de bilheteria que ele defendia", segundo Renata Pallottini.
Também alguns de seus projetos gráficos, usando papéis e formatos especiais, colagens e encartes, obstavam uma escala industrial. Na primeira fase da editora, de 1960 a 1964, tudo era elaborado em sua própria oficina artesanalmente. Quando passou a depender de serviços de terceiros, tinha paciência e cuidado de cooptar os gráficos para realizar tarefa fora de padrões e alcançar o resultado que desejava.
<b>Independência e coragem</b>
A independência e a coragem de Massao Ohno tiveram um preço. Como editor, nunca teve estabilidade econômica. Seu escritório, que era a sede da editora, andou por vários endereços e até em casa de amigos. Mas ele nunca deixou de ser "uma referência quase mítica", como lembrou o linguista e poeta brasileiro Carlos Vogt.
Na sequência, a continuação da entrevista sobre Massao Ohno, Editor (Ateliê Editorial), com o crítico e professor José Armando Pereira da Silva, que organizou o livro.
<b>Quão decisiva era a participação de artistas plásticos convidados para a definição de como seria o formato de cada livro? </b>
Massao assumiu de fato o papel de editor em agosto de 1960 com a Coleção dos Novíssimos, que, em três anos, lançou 13 títulos, cujos projetos gráficos ganharam identidade com a parceria dos artistas plásticos Acácio Assunção, João Suzuki, Manabu Mabe, Cyro Del Nero e Wesley Duke Lee. Mais que ilustradores, definiam capa, formato e suporte, como é o caso de Paranoia, de Roberto Piva, cujo formato acompanha as fotos de Wesley Duke Lee, e Livro dos Sonetos, impresso em lâminas de cartão ilustradas por Cyro Del Nero. Em outros títulos lançados até 1964, Tide Hellmeister se incorporou à editora, e foi o mais efetivo no papel de designer. Tide, então nos seus 20 anos, viria a se consagrar mestre na colagem e um designer inovador na publicidade e na imprensa, como diagramador, ilustrador e diretor de arte.
<b>O que Ohno fazia para saber das qualidades de um poeta? </b>
Massao era muito integrado no meio cultural. Conhecia muita gente e também se informava. Na maioria dos casos de estreantes que o procuravam, pedia um tempo para analisar o trabalho. Mas houve casos em que foi em busca do autor com a proposta. Seu discernimento vislumbrava acertos tanto nos impropérios de um jovem poeta revoltado como nas delicadezas do haicai – gênero que divulgou em várias publicações de clássicos e modernos. Em outros gêneros, seu faro também foi acertado.
<b>Como assim? </b>
Foi o primeiro editor das peças teatrais de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. Quando, em 1976, retomou sua atividade editorial com a Feira de Arte e Poesia, no Teatro Municipal de São Paulo, sua sensibilidade lhe dizia que havia algo no ar, que alguma coisa nova poderia surgir dessa mostra. Em um ambiente pressionado pela censura, o evento, com exposições, performances, música, poesia e balé, deu vazão a posturas anárquicas e rebeldes. Um clima de festa e transgressão, com sentido explícito de inconformidade, se instalou no teatro, ocupado por tribos pouco habituais que, durante os três dias, circulavam pelos salões, foyers, galerias e coxias, extrapolando o horário de funcionamento. E uma nova geração de autores, que refletia esse momento, era apresentada por Massao.
<b>Como foi a descoberta do talento de Hilda Hilst? </b>
Hilda não foi descoberta por Massao, mas se estabeleceu entre eles um pacto de cumplicidade que era, ao mesmo tempo, uma contradição.
<b>Como?</b>
Ela, uma autora que tinha a compulsão de ser lida, e ele, um editor desprovido de vocação e de esquemas para a veiculação comercial do livro. Quando alguém o criticava por essa falha, se eximia com alguma ironia dizendo que "publicava para editores". Mas ela queria leitores, mais leitores do que alcançavam as pequenas edições de suas obras. Estava cansada do rótulo "autora hermética". E citava o apelo de Edna St. Vincent Millay: "Leia-me, não me deixe morrer". Apesar disso, foi uma longa relação com 12 obras editadas por Massao. A primeira, Sete Cantos do Poeta para o Anjo, de 1962, é uma edição requintada com ilustrações de Wesley Duke Lee. A última, Do Amor, é de 1999. Na contracapa de Amavisse, de 1989, ele se deu a liberdade de estampar foto sua com Hilda e poema a ele dedicado. Massao não era frequentador da Casa do Sol, o refúgio de Hilda, próximo à cidade de Campinas, mas mantinha contato com ela e lhe mandava livros. Nos encontros em São Paulo, nos lançamentos, alargavam o tempo em planos e confidências. Momentos de se mirarem como em espelho.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>