Na chegada à exposição Cuba – Ficción y Fantasía, a última que será exibida pela Casa Daros, a imagem de uma granada de mão gigante de madeira de quase 2 m de altura, cujos gomos são gavetas, tal qual a Vênus de Milo de Salvador Dalí, é uma metáfora do que vem vivendo o centro cultural de Botafogo este ano. A notícia do fechamento foi uma bomba para o público carioca, os artistas e os próprios funcionários, pois se seguiu a seis anos de restauração do imóvel onde está instalado e apenas dois e meio de funcionamento.
Nessa terça, 8, na entrevista de divulgação da derradeira mostra, as explicações para o fechamento do espaço, a partir de 13 de dezembro, foram tão vagas quanto há quatro meses, quando do comunicado oficial do encerramento das atividades. “Recebemos quatro propostas, todas nas áreas cultural e educacional, mas não podemos revelá-las, pois temos contratos de confidencialidade”, disse o diretor da Daros, Dominik Casanova. Segundo ele, a prefeitura do Rio sinalizou ter interesse em ajudar a mantê-la como está. “Mas a decisão está tomada. Não é por falta de dinheiro. Nenhum dinheiro iria mudar a decisão”, afirmou, referindo-se à proprietária da Coleção Daros Latinamerica, a bilionária suíça Ruth Schmidheiney, que foi quem desistiu de ter o centro cultural no Rio.
Casanova não confirmou se a Eleva Educação, rede de escolas com unidades no Rio e em Minas Gerais, é um dos proponentes. Representantes do grupo disseram ao jornal O Globo que tinham interesse no imóvel para a criação da Academia Eleva, “uma escola inovadora”. Se isso se concretizar, o casarão neoclássico de 1819 voltará às origens, já que funcionou como Educandário Santa Teresa e Colégio Anglo-americano no século 20. O jornal O Estado de S.Paulo procurou o grupo na terça, mas não obteve resposta sobre o interesse na casa, que fica em área de 11 mil m².
A Daros sempre teve ligação forte com Cuba – cogitou ter um centro cultural em Havana, mas acabou optando pelo Rio. A exposição de arte cubana, a ser aberta dia 13, trouxe agora à cidade cerca de 140 obras de 15 artistas, a maior parte residente na ilha; cinco vieram para uma visita guiada realizada na terça e participarão de conversa aberta ao público no sábado, 12, às 17 h. Eles falaram sobre o impacto do isolamento político e econômico desde os anos 1960, da semiliberdade que conquistaram para se expressar – a censura existiu muito fortemente nas primeiras décadas do governo Fidel Castro, mas, segundo os artistas, não assusta mais -, e das dificuldades para obter materiais para trabalhar.
Hans-Michael Herzog, curador da Daros Latinamerica, que a vem formulando para Ruth Schmidheiney desde 2000, disse que a nova conjuntura política, com a recente retomada de relações com os EUA, em nada se relaciona com a mostra. Já a arte cubana das próximas gerações ele imagina que será profundamente marcada pela abertura da ilha ao mundo. “As novas gerações de artistas já vêm diferente. As temáticas têm se internacionalizado e a arte cubana vai perdendo a ideia do isolamento. Isso vai desaparecer. Cuba é uma ilha de contradições.”
El Bloqueo, obra dos anos 1990 do artista Tonel, é a única a tratar explicitamente da questão do embargo norte-americano. Tapumes e tijolos impedem a passagem. O título está escrito em blocos de concreto. “Cuba nunca foi tão isolada quanto se pensa, como a Coreia do Norte. Nessa obra, que passará a ser vista como algo que vivemos no passado, trato não só da questão do bloqueio dos EUA, mas também daquele que nós, cubanos, nos colocamos como nação”, comentou Tonel.
Temáticas como as religiões afro-cubanas, as questões da mulher numa sociedade machista e o cotidiano do povo cubano, que refletem três décadas da produção do país, são abrangentes. A granada de madeira é do coletivo Los Carpinteros, assim como o guarda-chuva de madeira, que mais parece um barco de refugiados.
Santiago Olazábal trouxe telas com cenas inspiradas na santeria, religião de origem africana que pratica. Ele lembrou da dificuldade de comprar tela, tinta óleo e pincel ao longo da trajetória artística de mais de 30 anos. “Ainda é difícil. Construímos a arte cubana com base na carência e utopia. Não arrisco dizer o que vai ser daqui para frente. O mundo está se abrindo para Cuba, e isso tem que ser bom.”
Da performer Tania Bruguera veio Destierro, vestimenta cravada de pregos com a qual já andou por ruas de Havana. Em janeiro, ela foi detida antes de chegar à Praça da Revolução, no centro da capital, onde apresentaria a performance El Sussuro de Tatlin # 6, em que abre um púlpito para o público dizer o que quiser sobre qualquer assunto – política, inclusive – ao microfone. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.