Estadão

Obras restauradas começam a voltar ao Museu do Ipiranga

Bem-acondicionada em uma caixa, a tela Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500 , uma das obras mais conhecidas de Oscar Pereira da Silva (1867-1939) foi devolvida ao seu porto seguro. No caso, o Museu do Ipiranga, que está fechado ao público desde 2013 e deve reabrir na semana do bicentenário da Independência, em setembro deste ano.

A pintura a óleo de 1,90 m por 3,30 m está presente no imaginário nacional, pois é fartamente reproduzida em livros escolares e outros materiais. Há sete anos, juntamente com boa parte do gigantesco acervo da instituição paulista – que pertence à Universidade de São Paulo (USP) -, ela foi removida da sede do museu para um dos sete imóveis alugados para guardar esses importantes materiais.

Datado da última década do século 19, o edifício histórico estava bastante comprometido e acabou interditado por razões de segurança. Ele foi restaurado e reformado nos últimos 3 anos por R$ 211 milhões. Simultaneamente, o acervo também foi reorganizado e as obras de arte restauradas ao custo de R$ 1,25 milhão.

"A maquete (que mostra São Paulo em 1841) e quadros como Independência ou Morte (obra de Pedro Américo que mede 4,15 m por 7,60 m) não saíram do edifício, foram restauradas no local. A tela que voltou ontem (na última segunda-feira) foi a pintura de Oscar Pereira da Silva feita em 1922. Voltaram também dois medalhões do salão nobre", conta a historiadora Vânia Carneiro de Carvalho, coordenadora do programa de exposições do museu. "Na próxima semana chega o restante referente à primeira exposição que vai ser montada", acrescenta.

É um clima de casa nova e uma sensação de alívio, com a importante instituição cultural começando a respirar os ares do esperado retorno. Na reabertura, serão instaladas 11 exposições de longa duração e uma temporária, com 3.567 mil peças do acervo – que conta com mais de 450 mil itens. "Os objetos que serão expostos continuam sendo tratados e já temos 90% deles prontos para ir para as vitrines", adianta Carvalho.

Esta é a novidade. O restante não "volta" ao prédio principal. A reserva técnica, que antes ocupava – e sobrecarregava – o topo do edifício, agora seguirá em quatro imóveis no bairro do Ipiranga. Com isso, o prédio do museu sofre menos. E os visitantes ganham mais áreas expositivas.

Sobre as novas exposições, espera-se uma apresentação contemporânea e repleta de recursos multimídia. Mas sem perder de foco o escopo que está no DNA da instituição. "O acervo do Museu do Ipiranga é um dos mais importantes do País", comenta o historiador Paulo César Garcez Marins, professor do Museu Paulista da USP. "O vínculo universitário faz com que nossas exposições estejam necessariamente ligadas a linhas de pesquisas institucionais, que são história do imaginário, do cotidiano e da sociedade, e o universo do trabalho. Nossas exposições se organizam em dois eixos: para entender a sociedade e para entender o museu. E procuramos dar conta do estudo da sociedade brasileira a partir dessas linhas científicas", explica.

<b>ANSIEDADE</b>

Historiadores aguardam com expectativa a reabertura. "É fundamental por muitas razões. A primeira é a devolução de uma instituição cultural centenária, participante da vida social, escolar, científica e política de São Paulo, aos cidadãos brasileiros. O museu é uma referência marcante para muitas gerações", comenta o historiador Paulo Henrique Martinez, professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Ele ainda lembra que esse restauro valoriza "os próprios museus como espaços de preservação, pesquisa, educação e lazer em torno da memória histórica, de bens artísticos e culturais". E ressalta o fato de o Ipiranga ser "um museu histórico". "As suas coleções, exposições e equipes são reconhecidamente de alto nível profissional na preservação, estudo e divulgação do conhecimento".

<b>ELABORAÇÕES</b>

Professor na Universidade Estadual do Maranhão (Uema), o historiador Marcelo Cheche Galves lembra que a instituição "tradicionalmente foi produtora e reprodutora de uma história oficial do País" e, nesse sentido, é imprescindível que esteja aberta em um momento de "profusão de atividades sobre o bicentenário da Independência".

Especializada em artes e marketing cultural, Gisele Jordão, professora da ESPM, destaca o aspecto icônico do Museu do Ipiranga: "é o símbolo da Independência do Brasil", frisa. "(Além disso, ele) contribui para a autoavaliação da sociedade e, em especial, sua reabertura no ano do bicentenário de suas narrativas centrais cria relevo para algo que a sociedade brasileira necessita de contínua reflexão: nossa autonomia e constituição social e econômica na contemporaneidade", argumenta ela.

Para a jornalista Lucia Santa-Cruz, professora e coordenadora do Laboratório de Estudos da Memória Brasileira e Representação (Lembrar) da ESPM Rio, "toda efeméride pode servir para afirmarmos valores predominantes na sociedade, as chamadas verdades históricas, ou para rediscutirmos exatamente se estas verdades não seriam versões que se tornaram hegemônicas".

Nesse sentido, ela situa a importância da reabertura do Museu do Ipiranga justamente pelo aspecto geográfico. "A Independência do Brasil se consolidou no imaginário nacional como o nosso mito fundador enquanto nação, e como um grito que teria sido dado às margens do Ipiranga, lugar onde em 1895 a recém-declarada República construiu o Museu do Ipiranga para homenagear a emancipação política brasileira", ressalta.

Santa-Cruz lembra ainda que datas redondas "sempre serviram para usos políticos dos governos da ocasião". "O centenário da Independência, em 1922, foi considerado como uma oportunidade de mostrar para o exterior que o País era uma nação forte e consolidada, uma república respeitável. Por isso, os eventos e as comemorações propostos naquela época eram direcionados para o exterior e para visitantes estrangeiros", afirma, como exemplo, a especialista.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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