Mundo das Palavras

Olhe aqui, Mister Trump!

No olhar que Jean-Marc Borot desenhou, quando preparou a caricatura de Trump, o artista usou seu talento, burilado pela experiência acumulada como ilustrador profissional. E, anteriormente, no seu aprendizado na École des Beaux Art, de Clermont-Ferrand – uma cidadezinha antiga,  a Augustonêmeto do Império Romano. 
 
Borot, assim, pôde apreender o olhar do presidente americano, imerso num ambiente de profunda densidade civilizatória. Concentrando nesta parte do rosto dele um curso completo sobre a força que possui aquela linguagem não-verbal. Tão intensa que, aglomeradas no exíguo espaço de um elevador, por exemplo, as pessoas se inquietam por não saberem onde pousar seus olhos. Sabem que basta fixá-los um pouco mais demoradamente num estranho para provocar incômodo nele. O que, em geral, as leva, involuntariamente, a olhar, de maneira boba, para os botões que apertaram quando entraram no elevador. Apenas para neutralizar seus olhares, “calá-los”, evitando que exprimam uma iniciativa despropositada de flerte, ou pior ainda, uma tentativa idiota de intimidação. 
 
Na caricatura de Borot, Trump olha seu interlocutor “de cima para baixo”. Isto é, do alto. Portanto, a partir do lugar, onde, ao longo da História, foi colocado tudo que remete à ideia de poder e valor. Como, o céu cristão, o trono dos reis, as liteiras onde sentavam senhores ricos para serem carregadas nos ombros por seus servos. Em oposição às “profundezas” do inferno. E às pessoas de “baixa” extração. 
 
No desenho do francês, o olhar de Trump torna perceptível seu senso de superioridade, oriundo numa convicção da existência dela. Algo acalentado em relação a quem ele fita. E, julga inferior. 
 
Trump não é um cidadão qualquer. Representa os norte-americanos que o elegeram. Portanto, a riqueza semântica do olhar criado por Borot não se reduz à da captação de um traço de caráter – o da arrogância – numa pessoa. Simbolicamente, traduz muito mais. Inclusive o modo como muitos norte-americanos veem outros povos. 
 
Numa pretensão que seria somente patética, se ninguém aceitasse a sujeição àquele olhar. À semelhança de Vinicius de Moraes. Quando era vice-consul do Brasil, em Los Angeles, no final dos anos 40. O poeta havia decidido antecipar seu retorno ao Rio de Janeiro. E teve de ouvir um americano rico, Mr. Buster, dizer-lhe que não entendia como alguém podia abrir mão de mais um ano na Califórnia para se enfiar na “Latin America”. A observação atingiu profundamente Vinicius. Duas décadas depois, ele ainda a removia, indignado. Resolveu, então, respondê-la no texto “Olhe aqui, Mister Buster”. Em que salienta a ignorância do americano sobre os brasileiros.
 
Borot colocou em Trump aquele olhar de Mister Buster. Infelizmente, nem todos, em nosso país, se indignam como Vinicius. Muitos preferem se render ao complexo de vira-lata, lamentado por Nelson Rodrigues.       
 

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