Economia

Olimpíada encontra o Rio no vermelho

No ano em que o Rio de Janeiro sediará a primeira Olimpíada disputada na América do Sul, o governo do Estado está quebrado financeiramente. Um rombo de caixa esperado de R$ 19 bilhões para este ano levou o governador em exercício, Francisco Dornelles (PP), a declarar na quarta-feira que o governo havia “limpado o caixa” do Estado antes de decidir, na véspera, atrasar o pagamento de parte dos servidores aposentados.

O atraso nos salários, na verdade, já vem desde o fim do ano passado. Virou motivo de greves e, na semana passada, até de invasão ao prédio da Secretaria da Fazenda. E isso é só uma parte do quadro complicado que o Estado vive. Nos postos de saúde e hospitais, filas intermináveis e superlotação tornaram-se rotina. Tudo fruto da falta de dinheiro.

A crise no Rio é um espelho do que ocorre em vários Estados, que também enfrentam dificuldades de arrecadação. O Rio sofre mais, porém, por duas particularidades: do lado das receitas, a dependência dos royalties de petróleo; do lado das despesas, a dificuldade de cortar muito os investimentos públicos diante da urgência de entregar obras para a Olimpíada.

A principal delas é a expansão do Metrô para a Barra da Tijuca, na zona oeste, área que receberá boa parte das competições. São R$ 9,7 bilhões de investimento, numa parceria público-privada (PPP), e com empréstimo do BNDES.

Atrasos

Inicialmente, a Linha 4 deveria estar pronta em 2016, mas atrasos já deixaram uma das estações para 2018. A última parcela, de R$ 444 milhões, do financiamento de R$ 6,6 bilhões do BNDES foi liberada somente no fim de fevereiro, após dificuldades em obter garantia do Tesouro Nacional – diante da crise financeira do Estado, a obra poderia parar sem o empréstimo.

A expansão do Metrô forçou o Rio a segurar a mão no corte nos investimentos, típico dos governos ao promover ajustes fiscais no Brasil. Levantamento do economista Pedro Jucá Maciel, assessor econômico do Senado Federal, mostra que, no total dos Estados, o investimento público encolheu 37% em 2015, mas, no Rio, a queda ficou em 13%, sem descontar a inflação. No Espírito Santo, Estado que mais cortou esse item, o recuo foi de 71%.

O secretário estadual de Fazenda do Rio, Julio Bueno, negou dificuldades de cortar investimentos para ajustar as contas, mas reconheceu que “a única coisa que incomoda às vezes são algumas obras que volta e meia somos incitados a pagar prioritariamente porque são olímpicas”.

Ao mesmo tempo, o governo fluminense experimentou no ano passado a maior queda de receita entre os Estados compilados por Maciel. Sem descontar a inflação, a queda foi de 11% – ou seja, passa de 20% em termos reais. Por trás disso, além da recessão, está a queda na cotação do barril do petróleo, a partir de 2014, que derrubou a arrecadação com royalties, uma das principais fontes de receita do Rio. Para piorar, a crise da Petrobrás reduziu ainda mais a arrecadação com o ICMS, principal imposto estadual.

À dramática queda na receita, se soma o crescente gasto com pessoal. O Rioprevidência, o fundo previdenciário dos servidores estaduais, responde por R$ 12,3 bilhões do rombo de R$ 19 bilhões.

Em 2015, o Rio gastou 63% da receita corrente líquida com pessoal, conforme o levantamento de Maciel. No total, os Estados destinaram 64% da receita para despesas de pessoal, acima do limite máximo de 60% definido na Lei de Responsabilidade Fiscal. Maciel reclassificou, no estudo, as despesas de pessoal registradas pelos Estados em outras rubricas, pois os governos usam brechas para burlar os limites da lei.

“É uma questão estrutural. Se não mexer agora, em dois anos o problema fiscal volta”, diz o economista.

Tensão

Outro levantamento, feito pelo deputado estadual Luiz Paulo Correia da Rocha (PSDB), que integra a Comissão de Orçamento da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), mostra que o Estado arrecadou nos primeiros dois meses do ano R$ 7,8 bilhões. Somente os gastos com pessoal no bimestre consumiram quase todo esse valor – R$ 6,4 bilhões.

“O momento é de muita tensão. A situação é tão grave que em qualquer país que estivesse abrigando a Olimpíada entrava União, Estado e município para ter uma equação de emergência”, diz o deputado Rocha.

Segundo o economista Mauro Osório, professor da UFRJ e presidente do Instituto de Estudos sobre o Rio de Janeiro (IERJ), a gestão pública no Rio é pior do que em Minas e São Paulo. Proporcionalmente à população, o Legislativo do Rio custa três vezes mais do que o paulista enquanto o gasto por habitante com o Judiciário fluminense é 48% superior ao de SP.

Para o secretário da Fazenda do Rio, uma reforma previdenciária é mais importante do que enxugar as máquinas públicas. “O ideal é o Executivo (federal) propor uma reforma da Previdência, incluindo os Estados para apoiarem. Os governadores de todos os Estados apoiariam.”

Nos últimos anos, após criar o Rioprevidência, o governo do Estado decidiu destinar os recursos dos royalties do petróleo para cobrir o rombo previdenciário, mas, em 2015, a queda de 40% com essa receita (sem descontar a inflação) minou a estratégia. Ainda assim, Bueno defende essa opção.

“Defendo o que fizemos no Estado do Rio até a morte. A gente não fez escola ou estrada (com o dinheiro dos royalties). De forma responsável, botamos na Previdência”, diz o secretário.

Cobrir rombo

Na visão do economista Sérgio Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), destinar os recursos dos royalties para cobrir rombo previdenciário é diferente do mau uso feito por prefeituras do norte fluminense, que ficaram famosas por aplicar o dinheiro do petróleo em obras como calçadão de porcelanato na praia. Mas não quer dizer que essa seja a melhor opção.

“Se o recurso foi usado para cobrir a Previdência ou para educação é uma discussão contábil”, diz Gobetti. Para ele, a questão de fundo é se os recursos do petróleo são todos gastos no presente ou se são guardados para o futuro, totalmente ou pelo menos uma parte.

No modelo adotado pela Noruega, diz Gobetti, os royalties são todos alocados num fundo, que faz aplicações conservadoras. No presente, o governo usa apenas os recursos oriundos da rentabilidade do fundo, sem mexer no “principal”. Já no Brasil, os recursos dos royalties são apenas mais uma receita corrente, que faz parte do orçamento de cada ano.

Além da queda na arrecadação de royalties, o deputado estadual Rocha destaca que outro motivo para a crise financeira do Estado é a concentração da sua indústria. “A política industrial ficou muito em cima da cadeia produtiva de automóveis e petróleo”, afirma.

Para Osório, do IERJ, o problema não é a concentração na indústria do petróleo, mas sim a baixa densidade dessa cadeia produtiva do setor no Rio. Segundo o economista, o Estado concentra a atividade de exploração e produção e alguns segmentos de prestação de serviços do setor, mas não tem quase nada de fabricação de máquinas e equipamentos ou refino, com uma estrutura econômica “oca”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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