Ao apenas entrever ver Paul McCartney pela janela de um carro, quando ele saía do hotel onde estava hospedado, a jovem adolescente se descontrola. Grita, chora, se agita, quase desmaia. Esta cena de busca histérica de proximidade e intimidade com uma celebridade se banalizou décadas atrás, tantas vezes se repetiu, durante a carreira do extinto The Beatles, a banda na qual Paul se destacava. No entanto, ninguém imaginaria, naquela época, poder vê-la novamente, décadas depois, quando o antigo roqueiro já goza – ou carrega o fardo – da condição de um septuagenário. Mas a cena voltou a ocorrer, há poucos dias, na cidade de Vitória, como mostrou o Jornal Nacional, no início das novas apresentações de Paul, no Brasil.
Pareciam não ter efeito algum na intensidade do desejo de envolvimento íntimo demonstrado publicamente pela fã, os cerca de cinquenta anos que separam a faixa etária do cantor da dela. Não era à toa que o famoso secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, poderosíssimo na sua época, dizia, com sinceridade e narcisismo, que o poder é afrodisíaco. Mesmo quando decorre, não de algum cargo político, como o dele, mas de fama e dinheiro, como no caso do ex-Beatle, pelo que se pôde ver.
Naquela cena atual de Vitória, Paul MacCartney exibiu a exteriorização teatralizada, dramatizada, da realização de uma vontade íntima, mas pouco escondida, e, por esta razão, visível em milhões de pessoas: a de dispor de poder para atrair e conquistar sexualmente outras – muitas – pessoas.
Embora saibamos que ter desejos sexuais é próprio de quem é saudável do ponto de vista psicológico, e, que a sexualidade humana está presente em todos os momentos e em todas as situações da vida social, é inacreditavelmente alto o preço que tanta gente se dispõe a pagar para alcançar tal poder. São chocantes as notícias de que mulheres comuns, na busca de um corpo atraente, sedutor, adoecem com gravidade, deformam–se fisicamente, morrem, ao se submeterem a cirurgias estéticas com charlatões travestidos de médicos. Como aquela falsa biomédica agora presa pela polícia. Assim como chocam as notícias de que brasileiros queiram pagar mais dois mil reais para ouvir o norte-americano Julian Blanc ensinar-lhes modos agressivos e desrespeitosos de lidar com as mulheres, apresentados por ele com “técnicas de conquista sexual” no mundo feminino.
Todas estas pessoas – a jovem de Vitória, as vítimas do charlatanismo médico, os homens inseguros carentes de “técnicas de conquista” – fazem parte de uma grande fração da humanidade. Possivelmente era nelas que Caetano Veloso pensava quando tirou de sua mente intuitiva e poética a letra da música Pecado Original. “Todo beijo, todo medo, todo corpo em movimento, está cheio de inferno e céu. A gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo (…) O que fazer com o que Deus nos deu? O que foi que nos aconteceu? (…)Todo homem (…) sabe a imensidão da fome que tem de viver (…), até maior que o medo de morrer”.