Uma das características da sociedade contemporânea é a mais absoluta falta de consenso em relação a todos os assuntos. A leitura dos jornais permite a constatação de que há grupos que se antagonizam a defender posições antípodas. Às vezes, todos com alguma parcela de razão.
Veja-se por exemplo a iniciativa de alguns munícipes de aproveitar espaços ociosos nos chamados "terrenos baldios" e ali desenvolver o plantio de verduras e ervas medicinais. Há quem prefira que o aproveitamento não se faça. O destino desses imóveis à espera de valorização ou com problemas na titularidade dominial é o cultivo de mato.
A questão das ciclovias, por alguns chamadas "ciclovazias", é outro tema apaixonante. Defensores de várias posições exercitam o seu direito de se contrapor ao que a Administração resolveu e a Justiça decidiu, em cada momento a favor de um dos lados.
O destino do Elevado "Costa e Silva" é um assunto recorrente. Há quem defenda a sua demolição pura e simples. Outros querem a sua conversão em verdadeira intervenção urbana ou "instalação", na linguagem mais contemporânea do senso artístico. Já não são poucos os que argumentam que seu desaparecimento congestionará ainda mais o caótico trânsito da capital.
Não é diferente em questões tópicas, tais como o aproveitamento das ruínas do antigo Colégio "Des Oiseaux", das Cônegas de Santo Agostinho, para um Parque ou para a edificação de torres que densificarão ainda mais a demografia daquela região paulistana.
É difícil a obtenção de um consenso em relação à crise hídrica. Interligar todos os reservatórios, na solução que foi chamada de "Aquanel" e que pareceu nefasta? Ou continuar a despoluição dos rios que nós conseguimos conspurcar? Por que não a realística urgência de replantio dos milhões de árvores que nossa ignorância, aliada à cupidez e à ganância, destruíram em curto espaço de tempo?
Este breve apanhado mostra como é difícil para a Justiça atender a todos os clamores. Há excesso de leis e elas não são coerentes. Constituem, isto sim, o frágil e pendular equilíbrio de forças num Parlamento de mais de 30 partidos. Como se pudéssemos estabelecer convívio pacífico entre mais de 30 ideologias!
O juiz brasileiro é chamado a solucionar questões que a sociedade não consegue. Numa era ególatra, em que os interesses de cada um são considerados os mais relevantes e os mais urgentes, não é possível satisfazer à comunidade que prima por não edificar consensos.
Por isso a necessidade de fundamentação das decisões, ao lado do investimento em métodos cada vez mais refletidos de seleção dos quadros pessoais das carreiras jurídicas. Numa República em que o número de Faculdades de Direito é superior à soma de todas as demais Faculdades de Direito existentes no resto do mundo, a tendência é a judicialização de todos os assuntos.
Pobre juiz, chamado a responder a todos os reclamos, no prolífico cenário em que todos se acham detentores da verdade e da razão e têm enorme dificuldade em aceitar a consistência das verdades alheias.
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo