A alta-comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, afirmou nesta segunda-feira, 13, em discurso na Suíça, estar "alarmada" com o projeto de lei de contraterrorismo em tramitação na Câmara dos Deputados. De autoria do deputado bolsonarista Major Vitor Hugo (PSL-GO), a proposta pode, na avaliação da ex-presidente chilena, ampliar excessivamente o alcance de ações contraterroristas no País.
A proposta do parlamentar governista e as invasões de terras indígenas por garimpeiros na Amazônia colocaram o Brasil entre os países que despertam preocupação da ONU para violações de DH.
Bachelet disse que ela e seus auxiliares na ONU estão preocupados com termos usados na redação do projeto de Vitor Hugo. Seriam, segundo ela, "excessivamente vagos e abrangentes", representando "riscos de abuso, particularmente contra ativistas sociais e defensores de direitos humanos". A advertência foi feita no primeiro dia de uma sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ocorre na mesma semana em que uma comissão especial na Câmara votará a proposta. O texto recebeu parecer favorável do relator, Delegado Sanderson (PSL-RS).
O projeto expande além das ações tipificadas como terrorismo o campo de crimes que pretende reprimir. Também poderia ser enquadrado na futura nova lei qualquer ato que fosse "perigoso para a vida humana ou potencialmente destrutivo a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave". A proposta também cria uma Autoridade Nacional Contraterrorista. Para entrar em vigor, o texto deve ser aprovado pela Câmara e pelo Senado e também sancionado pelo presidente da República.
A representante da ONU também alertou para possíveis mudanças nas regras de demarcação das terras indígenas. Bachelet lembrou que, enquanto a tese do "marco temporal" está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), um projeto sobre o tema tramita no Congresso. O texto sugere que demarcações sejam permitidas apenas quando ficar comprovado que indígenas ocupavam o território na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.
"Tentativas de legalizar a entrada de negócios nos territórios indígenas, e limitar a demarcação de terras indígenas – notadamente via projeto de lei em debate na Câmara dos Deputados -, são também motivo de séria preocupação", disse Bachelet. Ela ressaltou que o País é signatário de uma convenção na qual se compromete com a proteção dos povos indígenas. "Peço às autoridades para reverter as políticas que afetam povos indígenas e que se abstenham de se retirar da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), sobre Povos Indígenas e Tribais."
Não é a primeira vez que a entidade demonstra preocupação com direitos humanos no Brasil. Em maio deste ano, após uma operação policial matar 28 pessoas da favela do Jacarezinho, no Rio, o Escritório de Direitos Humanos da ONU pediu uma investigação independente e imparcial para esclarecer as suspeitas de abuso.
Em junho, o gabinete do alto-comissariado também divulgou uma nota expressando preocupação com ataques de garimpeiros a terras Munduruku e Yanomami. Ao menos duas crianças foram mortas. A entidade pediu que o governo brasileiro investigasse o caso e punisse os autores.
<b>Embates públicos</b>
Em seu discurso no primeiro dia de uma sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, a alta-comissária abordou brevemente a situação em mais 30 países. Eles são acompanhados mais de perto pelo alto-comissariado para DH. Afeganistão, Sudão, Nicarágua e Venezuela estão entre as nações que devem dominar as discussões.
Bachelet já protagonizou embates públicos com o presidente Jair Bolsonaro. Em setembro de 2019, ela disse em uma entrevista que o "espaço democrático" no Brasil estava encolhendo. Bolsonaro respondeu com ataques à ex-presidente e ao pai dela, Alberto Bachelet, que foi torturado e morto pela ditadura de Augusto Pinochet. Bolsonaro disse que o golpe militar no Chile "deu um basta à esquerda" no país, "entre esses comunistas o seu pai", brigadeiro à época. Michelle Bachelet também foi torturada pelo governo Pinochet.
A declaração provocou constrangimento diplomático. O presidente chileno Sebastián Piñera, à época considerado aliado de Bolsonaro, interveio. Disse em pronunciamento que não compartilhava da "alusão feita pelo presidente Bolsonaro a uma ex-presidente do Chile e, especialmente, num assunto tão doloroso quanto a morte de seu pai".