O ano da música clássica no Brasil começou com a notícia do cancelamento da Oficina de Música de Curitiba, ao qual se seguiu a extinção da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, na esteira de uma redução orçamentária em projetos do governo paulista. Foi um prelúdio pouco auspicioso, ainda mais depois de um ano, 2016, no qual orquestras de todo o Brasil tiveram que enxugar temporadas por conta da diminuição orçamentária, em alguns casos tornando-se incapazes de programar o ano todo com antecedência.
“O final de grupos e projetos com certeza indica que uma porteira se abriu. Iniciativas sólidas, construídas ao longo de anos, como no caso do governo do Estado de São Paulo, foram desmontadas, o que é fruto, no fundo, de uma ausência de uma política pública para a cultura”, diz Claudia Toni, especialista em gestão pública, ex-presidente da International Association for the Performing Arts (Ispa) e uma das idealizadoras do Fórum MultiOrquestra que, entre 2014 e 2016, discutiu o setor no Brasil.
Este ano, a ópera em especial tem sofrido o impacto das reduções orçamentárias – se os problemas de cada teatro carregam especificidades e proporções específicas, o quadro geral é de uma temporada com poucos títulos, pautada pela incerteza. No Teatro Municipal de São Paulo, a Prefeitura assumiu com os corpos estáveis o compromisso de não realizar demissões e criou diversas novas séries de concertos.
A temporada lírica, no entanto, deixada para o segundo semestre, está ameaçada: dos três espetáculos previstos, apenas um deve acontecer, ainda que sem confirmação até agora. Em nota, a secretaria municipal de Cultura afirma que cortou despesas com programação internacional, mas o desencontro orçamentário permanece, tornando necessário um aporte suplementar de recursos. A proposta de redução salarial, diz, é “forma de todos estarem envolvidos no esforço pela busca do equilíbrio financeira do Teatro Municipal”.
No Rio de Janeiro, a situação, nas palavras de um músico da Orquestra do Theatro Municipal, “chegou ao limite”. Artistas acabaram de receber o salário de março e ainda não receberam o décimo terceiro de 2016, convivendo com pagamentos parcelados – e com a indefinição do cenário. Segundo a secretaria de Estado da Cultura, uma solução só chegará com a ajuda atualmente negociada com o governo federal, para a qual não há previsão. Por conta disso, os artistas iniciaram na semana passada uma campanha de arrecadação de alimentos e recursos.
Em meio a esse quadro, a Fundação Teatro Municipal passou ainda por uma troca na direção em fevereiro, devido a rearranjos políticos. A temporada prevista foi cancelada e a preparada pela nova gestão está sendo anunciada mês a mês – a opção de seguir se apresentando, segundo artistas ouvidos pelo Estado, está ligada a um temor maior de que o teatro vire um espaço de aluguel, o que levaria à relativização da importância de produções próprias (e corpos artísticos estáveis). “A programação está desenhada, mas só será lançada à medida que eu sinta que pode acontecer”, diz o novo diretor artístico do teatro, André Heller-Lopes.
No Theatro São Pedro, em São Paulo, as últimas semanas trouxeram uma série de mudanças. O governo, afirmando seguir orientação da Procuradoria do Estado, não prorrogou o contrato de gestão com o Instituto Pensarte, organização social responsável até o final de abril pela gestão do espaço que, desde o início de maio, passou a ser gerido pela Santa Marcelina Cultura. A notícia veio acompanhada de um corte na orquestra do teatro: 19 artistas foram demitidos e o grupo agora conta com apenas 33 músicos profissionais (22 alunos da Escola de Música do Estado de São Paulo formarão uma outra orquestra de bolsistas).
A academia de ópera do teatro deixou de funcionar e os alunos foram incorporados ao Ópera Estúdio da Emesp. Segundo a nova OS, as metas serão mantidas, com o mesmo número de récitas de óperas e de concertos sinfônicos previstos anteriormente, antes da troca na gestão. Mas a ideia do São Pedro como sede de uma companhia, com elenco estável e artistas residentes, desenvolvida nos últimos anos, foi abandonada.
Acusado por artistas do teatro de promover o desmonte de um projeto, o secretário adjunto de Cultura Romildo Campello defende as recentes decisões como forma de reforçar o aspecto pedagógico do São Pedro, que teria uma vocação de formar profissionais para a ópera. Mas o conceito, aqui, anda de mãos dadas com uma redução orçamentária. Segundo a própria Santa Marcelina, os cortes foram feitos para que o projeto se adequasse ao valor de R$ 7,4 milhões que serão repassados até o final do ano (em 2014, o Pensarte recebeu R$ 34,2 milhões).
Em meio a essa realidade, o modelo de gestão por meio de organizações sociais – quando uma entidade da sociedade civil firma um contrato com o poder público, estabelecendo metas, direitos e deveres – tem sido incapaz, para alguns críticos, de realizar aquilo a que se propunha, ou seja, estabelecer projetos de longo prazo. Especialista na questão, o jornalista Nelson Kunze, editor da Revista Concerto, discorda. “A questão principal é a redução orçamentária. Não há como esperar que, com um orçamento para a cultura de R$ 800 milhões, quase a metade do valor de sete anos atrás, o modelo funcione”, diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.