O subprocurador-geral da República Carlos Alberto Vilhena, chefe da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), afirmou que a operação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na Cúpula do Clima das Nações Unidas é "grave e merece investigação". A manifestação foi a primeira oficial feita por um membro do Ministério Público Federal sobre o caso.
O <i>Estadão</i> revelou que o governo Jair Bolsonaro despachou quatro agentes de inteligência ocultos na delegação credenciada na COP 25, realizada no ano passado em Madri, na Espanha. Eles monitoraram integrantes da própria delegação, de organizações não-governamentais (ONGs) e de países estrangeiros. Credenciados como "negociadores", eles tiveram amplo acesso às instalações da ONU e observaram e relataram críticas a políticas ambientais do governo Bolsonaro.
Vilhena manifestou-se favoravelmente à investigação nas esferas civil e criminal. Ele respondeu a uma representação feita por deputados do PSOL, que haviam solicitado informações ao governo sobre a comitiva brasileira em Madri. O elo funcional dos agentes com a Abin, porém, foi omitido. Os parlamentares cobraram então que os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) fossem processados.
Após o <i>Estadão</i> detalhar a operação, Heleno confirmou o monitoramento da Abin e disse que o objetivo era agir contra "maus brasileiros", que, segundo ele, fazem campanhas internacionais prejudiciais ao Brasil.
No ofício de resposta, o subprocurador-geral concordou com a necessidade de se investigar o caso por "ausência de motivos plausíveis que justifiquem o envio de agentes de inteligência para o evento". Vilhena disse que houve "total falta de disposição das autoridades responsáveis em apresentar motivação para as medidas tomadas" e, portanto, "nítida violação aos postulados da transparência e publicidade". Para ele, o Itamaraty, responsável pelo credenciamento da delegação na ONU e por responder compulsoriamente aos requerimentos de parlamentares, "não esclareceu adequadamente, quando instado, a presença dos agentes da Abin na comitiva brasileira".
Na sua manifestação, subprocurador ressaltou, no entanto, que a competência para processar ministros de Estado é do procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele já havia sido notificado pelos parlamentares. No caso de uma ação civil, por ato de improbidade administrativa, a responsabilidade é da Procuradoria da República no Distrito Federal, à qual a decisão recomendando a investigação foi enviada.
Na semana passada, uma carta com 162 assinaturas cobrando providências foi enviada às Nações Unidas. Nela, 90 entidades civis e 72 parlamentares federais brasileiros de oposição denunciaram a operação da Abin. A carta foi articulada por lideranças do movimento indígena. Eles disseram que a espionagem é "antiética e inaceitável".
"Viola segurança e proteção dos delegados dentro das instalações da ONU. Compromete a privacidade, a liberdade de pensamento e expressão, e a imunidade consagrada na própria carta das Nações Unidas. Também viola o código de conduta das reuniões da UNFCCC, que proíbe expressamente o assédio", reclamaram à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima.
A oposição também fez novos requerimentos de informação ao governo e denunciou os ministros na Comissão de Ética Pública da Presidência da República. A Comissão de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), do Congresso Nacional, promete levar o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e o ministro Augusto Heleno para depor.