Internacional

Opositores turcos no Brasil reagem a novos pedidos de extradição

Opositores do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, denunciaram nesta sexta-feira, 31, um aumento da perseguição aos refugiados turcos que vivem no Brasil e tem ligação com o movimento Hizmet, considerado terrorista pelo governo do país. Segundo organização turca Hizmet, ao menos dez pedidos de extradição foram protocolados pelo judiciário turco junto ao Ministério da Justiça brasileiro, e ao menos seis pedidos transitam em sigilo no Supremo Tribunal Federal. Há cerca de 300 turcos ligados ao Hizmet residindo no Brasil hoje.

Os pedidos de extradição feitos pela Justiça da Turquia foram confirmados por advogados turcos em Ancara. A Embaixada da Turquia não respondeu aos pedidos de informação. O Ministério da Justiça do Brasil também não se manifestou.

O caso mais adiantado é do empresário turco Yakup Sagar, que está no Brasil desde abril de 2016, quando fugiu da Turquia para escapar da perseguição de Erdogan. Seus advogados vão entrar com um pedido de habeas corpus preventivo na segunda-feira, para tentar evitar uma prisão. Em 9 de maio, o juiz Hasan Küçükosman fez o pedido formal de extradição do empresário ao Ministério da Justiça do Brasil, afirmando que Yakup usou dinheiro para “financiar ações de uma organização terrorista”.

Outro caso é do empresário Mustafá Goktepe, presidente do Centro Cultura Brasil Turquia, ligado ao Hizmet. Ele estava em Nova York em maio quando seu amigo e sócio, Ali Sipahi, turco naturalizado brasileiro, foi preso em março. Ele decidiu ficar nos Estados Unidos. Os advogados também vão pedir um habeas corpus preventivo para ele. Ali está em liberdade, mas enfrenta um processo de extradição.

Yakup nega participação em terrorismo. “Nunca financiei terrorismo, nunca peguei em armas, era um empresário com uma fábrica de roupas e contribuía para os projetos sociais e educacionais do Hizmet”, afirmou ao Estado Yakup em sua pequena loja de camisas que funciona há dois anos no Brás, região central de São Paulo. “São as mesmas acusações feitas contra 100 mil pessoas na Turquia, que são opositores e críticos de Erdogan. Sou perseguido porque fui porta-voz do Hizmet.”

Yakup, que tem 53 anos e mora em São Paulo com a mulher e a filha, de 20 anos, era um empresário bem sucedido em Zonguldak, cidade de 213 mil habitantes no norte da Turquia, banhada pelo Mar Negro. No ramo da tecelagem há duas décadas, ele construiu uma fábrica de camisas do zero. No auge, em 2010, empregava centenas de pessoas e produzia 20 mil camisas por dia, com uma loja em Moscou e exportando para Ásia e Europa.

“Me envolvi com o Hizmet em 1992. Antes era um boêmio, nada dava certo para mim. Quando me envolvi com o movimento, as coisas começaram a melhorar, minha empresa progrediu, me tornei religioso e conforme progredia, ajudava nos projetos educacionais e sociais”. Parte do seu dinheiro era depositado no Banco Asya, que era de Gullen. A Justiça turca ordenou o fechamento do banco em 2015, e decretou que seus correntistas podem ser considerados membros do Hizmet e suspeitos de terrorismo.

“O dinheiro era para projetos sociais do Hizmet, ajuda humanitária e construção e desenvolvimento de escolas e projetos educacionais em regiões pobres da Turquia”, afirma Yakup. Conforme progredia, ele se tornou uma figura central do Hizmet no norte da Turquia, e porta-voz do Hizmet na região. “Quando Erdogan começou a dar uma guinada autoritária, aparecia sempre defendendo os empresários locais ligados ao movimento e os opositores de Erdogan, sempre em defesa da liberdade de expressão e da democracia”, diz Yakup.

O Hizmet, que significa “servir” em turco, é liderado pelo clérigo muçulmano moderado Fethullah Gülen. Ele vive nos EUA e conta com a proteção do governo americano. O movimento foi considerado uma organização terrorista em 2016, após Erdogan acusa-lo de tramar o golpe de Estado que tentou tirá-lo do poder.

O movimento de Gülen foi essencial para a ascensão de Erdogan e de seu Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), no início dos anos 2000, mas os dois grupos se distanciaram. Quando denúncias de corrupção contra Erdogan surgiram, em 2013, motivadas por investigações de promotores ligados ao Hizmet, Gülen e Erdogan se tornaram inimigos.

Até 2016, a perseguição era velada, mas depois da tentativa de golpe militar frustrada, Erdogan partiu para a ofensiva, fechou jornais do grupo e prendeu centenas de pessoas ligadas ao Hizmet, que classificou de movimento terrorista armado, o que permitiu ao Estado decretar prisões e perseguir seus integrantes.

Nenhum outro país ou organismo internacional considera o Hizmet, também chamado de Movimento Gülen, uma organização terrorista. O movimento se denomina uma iniciativa civil mundial, enraizada na tradição espiritual e humanística do Islã. Presente em 160 países, patrocina escolas, centros culturais e diversas atividades comerciais.

“Eu percebi que a situação estava piorando em 2014, quando sofri o primeiro processo e invadiram a minha fábrica para aprender computadores e me interrogar”, afirma Yakup, que passou a ser investigado por “financiamento do terrorismo”. Em abril de 2016, três meses antes do golpe e do endurecimento da perseguição de Erdogan, ele fugiu para o Brasil, onde já havia estado e onde também vendia as camisas que fabricava. Quatro dias depois de chegar ao Brasil, ele teve a fábrica expropriada pelo Estado e todas as suas economias confiscadas, “cerca de US$ 2 milhões, casas e carros”, diz ele.

O maior medo de Yakup Sagar é voltar para Turquia e ter o mesmo destino de colegas e amigos empresários opositores do presidente Recep Tayip Erdogan: torturas físicas e psicológicas em uma prisão, sem direito a um julgamento justo. “Escolhi o Brasil porque já conhecia a economia aqui, achei que seria um lugar onde poderia voltar a investir no que sei, o negócio de camisas, mas também porque confio na democracia e na Justiça do Brasil”, diz Yakup. “Não tenho como ir para outro país, e não posso voltar para a Turquia porque sei que serei preso.”

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