Um ano depois de o Brasil enfrentar uma nova alta do desmatamento da Amazônia e de queimadas de vários biomas, além das emissões de gases de efeito estufa, o Ministério do Meio Ambiente pode passar por 2021 com o menor orçamento desde 2000. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) deste ano enviado pelo governo federal, e que será analisado pelo Congresso em fevereiro, prevê R$ 1,72 bilhão para todas as despesas da pasta, inclusive as obrigatórias. O valor ainda pode ser modificado pelo Legislativo, mas desde o ano 2000, o montante autorizado nunca foi menor do que R$ 2,9 bilhões, em valores atualizados pelo IPCA (índice de preços considerado oficial pelo governo federal).
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente disse que o teto orçamentário é estabelecido pelo Ministério da Economia e pode ser alterado pelo Congresso. "Ao MMA, cabe cumpri-lo", restringiu-se a comentar a pasta. A Economia, por sua vez, negou que este seja o menor valor das últimas duas décadas.
A análise foi feita pelo Observatório do Clima (OC), rede composta por 56 organizações da sociedade civil, que lançou nesta sexta-feira, 22, um relatório que analisa não apenas o orçamento para 2021 (na comparação com o dinheiro que efetivamente esteve disponível para a política pública nos anos anteriores), como também o desempenho do governo na área ambiental no segundo ano da gestão de Jair Bolsonaro. Os dados usados foram extraídos da plataforma Siop (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento).
Somente a área de fiscalização ambiental e combate a incêndios florestais teve uma redução de 27,4% na previsão do orçamento, em relação ao que foi autorizado para essa ação em 2020. Em relação a 2019 a queda é ainda maior: 34,5%.
De acordo com o relatório, o orçamento autorizado em 2020 para essas áreas nos dois órgãos vinculados ao ministério – o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – foi de R$ 174,9 milhões. O valor de 2020 incluiu um recurso extra de R$ 50 milhões da Lava Jato que foi destinado ao Ibama pelo Supremo Tribunal Federal (STF) exclusivamente para essas funções.
Já o PLOA 2021 prevê R$ 127 milhões para as duas atividades. Em 2019 tinham sido autorizados R$ 193,9 milhões, em valores atualizados pelo IPCA. A queda pode ter impacto direto nas operações do ministério que hoje estão mais sob pressão e críticas.
Desde o início da gestão Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia Legal e a queimada em vários biomas entraram em curva ascendente. Os alertas de desmatamento no acumulado dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro foram, em média, 82% superiores à média dos alertas registrados nos três anos anteriores.
Pelo registro oficial de desmatamento, obtido pelo sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram duas altas consecutivas. No período de agosto de 2018 a julho de 2019, a devastação da Amazônia Legal cresceu 34,4% ante o período anterior. E entre agosto de 2019 e julho de 2020, houve uma alta de 9,5%, alcançando 11.088 km² de desmatamento, o maior valor desde 2008.
Já as queimadas no bioma Amazônia ao longo de 2020 superaram em 15,7% as de 2019. Foram 103.161 focos, ante 89.176 no ano anterior. No Pantanal, o crescimento foi ainda mais impressionante, de 120%. Foram registrados 22.116 focos em 2020, ante 10.025 em 2019. As queimadas do ano passado foram as maiores no bioma desde o início do registro feito pelo Inpe, em 1998.
Diante das cobranças internacionais, tanto de governos quanto de investidores, o governo lançou uma nova frente, com militares, para combater os crimes ambientais, a Operação Verde Brasil. A ação é liderada pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, que coordena o Conselho da Amazônia. Os militares foram a campo a partir de maio do ano passado e continuam na região até o momento, mas apesar de contarem com um recurso maior que o Ibama, foram aplicadas menos multas e os resultados sobre os crimes ambientais foram modestos.
No período de maio a dezembro do ano passado, os alertas de desmatamento registrados pelo sistema Deter, do Inpe, somaram 7.222 km². O valor é 14% inferior ao observado no mesmo período de 2019, mas é bem mais alto do que o observado no mesmo período nos três anos anteriores. O maior valor, até então, era de 2016: 4.948 km²
Esse cenário de destruição é confirmado por um outros dados revelados pelo Observatório do Clima. Segundo o relatório, ao mesmo tempo em que cresciam os crimes ambientais, as multas caíam. O total de autos de infração aplicados pelo Ibama em 2020 também foi o menor em duas décadas: houve queda de 20% na comparação com 2019 e de 35% em relação a 2018.
Em relação à Operação Verde Brasil, os resultados também não foram expressivos. "De acordo com balanço divulgado pelo Ministério da Defesa, foram aplicados R$ 1,79 bilhão em multas ambientais na Amazônia de 11 de maio a 11 de novembro. No mesmo período de 2019, o Ibama aplicou R$ 2,12 bilhões em multas por infrações contra a flora na Amazônia. É um resultado 18% maior, com um quinto do efetivo", aponta o relatório.
"O Ibama tinha cerca de 750 fiscais em 2019. Segundo a Defesa, são empregados 3.400 militares e 300 agentes de outros órgãos na Verde Brasil 2. O Ministério da Defesa afirma que o valor das multas (R$ 1,79 bilhão) "corresponde a sete vezes o que foi investido na operação", ignorando que apenas três multas do Ibama foram pagas em 2020, em razão de mudanças impostas pelo governo Bolsonaro. Ou seja, em seis meses foram gastos oficialmente pelo menos R$ 255 milhões na Verde Brasil 2. Em um ano seriam R$ 510 milhões. O orçamento do Ibama para a fiscalização em 2019 foi de R$ 85 milhões, seis vezes menor (em 2020 foram R$ 66 milhões, quase oito vezes menos)", relata a rede ambientalista.
No relatório "Passando a Boiada" – que recebeu esse nome em referência à declaração feita pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial de 22 de abril do ano passado, em que ele sugeria que se mudasse regramentos e simplificasse normas enquanto a imprensa estava mais focada na cobertura da pandemia -, o Observatório do Clima lembra que, já durante a eleição de 2018, Bolsonaro planejava acabar com o Ministério do Meio Ambiente.
Para Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas da rede e coordenadora do relatório, a redução do orçamento coloca esse plano em prática. "Estão apequenando o ministério", diz.
<b>Unidades de conservação em risco</b>
O relatório destaca ainda um corte de 61,5% no ICMBio justamente para a sua principal ação orçamentária, a criação e gestão de unidades de conservação, na comparação com 2018. O valor autorizado para essa ação, que era de R$ 194,6 milhões no último ano da gestão Temer, está previsto para ser de R$ 74,9 milhões neste ano, se for aprovado pelo Congresso. O valor proposto para esta ação neste ano é ainda 21% menor do que o liquidado pela autarquia até 31 de dezembro do ano passado e 32,8% menor do que o empenhado.
Suely lembra que o ICMBio, como gestor das 334 unidades de conservação federais do País, é responsável por 9,3% do território nacional e cerca de 25% de nossas águas marinhas. "Com esse valor previsto para 2021, o ICMBio será morto por falta de recursos", diz. Ela acredita que a redução sinaliza para um plano do governo federal, de fundir o ICMBio ao Ibama. "Não reduziriam nesse tanto a principal ação finalística da autarquia se não fosse para acabar de vez com o ICMBio. O governo federal tem uma falsa ideia de que é possível economizar ao fazer a fusão com o Ibama. Mas os dois órgãos têm funções distintas, não existe sobreposição", defende a pesquisadora, que foi presidente do Ibama na gestão Temer.
<b>Fundo Clima</b>
Em nota enviada ao <i>Estadão</i>, o Ministério da Economia disse que o total previsto para o Ministério do Meio Ambiente no PLOA-2021 é de R$ 2,64 bilhões, "superior aos R$ 2,63 bilhões do PLOA-2020". Neste cálculo, que usou uma metodologia diferente do OC, foram incluídos R$ 323 milhões do Fundo Clima (que é um recurso do BNDES de empréstimo para ações de combate às mudanças climáticas) e recursos condicionados à aprovação legislativa prevista no inciso III do art. 167 da Constituição.
A inserção da parte reembolsável do Fundo Clima no cálculo é questionada pelo Observatório do Clima. "Tratam-se de recursos reembolsáveis geridos pelo BNDES que não foram considerados no orçamento de nenhum dos anos anteriores porque são direcionados a empréstimos", explica Suely. O Fundo Clima, assim como o Fundo Amazônia, foram deixados de lado pelo governo Bolsonaro.
Sobre os recursos condicionados, ela afirma que eles não foram incluídos na análise porque não são garantidos. "Consideramos que se o PLOA for aprovado no mês que vem da forma como foi apresentado, o ministério terá um valor bem menor do que o valor que estava disponível nos anos anteriores", afirma.
O inciso III do artigo 167 da Constituição veda a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital. Por conta disso, os valores previstos como condicionados no orçamento precisam passar por uma segunda avaliação por parte do Legislativo e dependem de equilíbrio fiscal. "É um valor que pode entrar ou não, depende de o País estar bem financeiramente", explica a pesquisadora.
"O OC comparou no relatório os valores do PLOA 2021 com os valores que vinham sendo efetivamente autorizados nos anos anteriores (coluna "dotação atual" do SIOP, atualizados pelo IPCA). Foram considerados os valores do PLOA 2021 porque a LOA ainda não foi aprovada pelo Congresso. Assumindo esses parâmetros, que mostram a realidade prática dos recursos para a política ambiental, haverá, sim, redução", afirmou a rede ambientalista, em resposta ao posicionamento do Ministério da Economia.
"Não consideramos correto considerar, em nenhum ano, os recursos reembolsáveis do Fundo Clima geridos pelo BNDES, uma vez que se trata de recurso destinado a empréstimos. A análise realizada considerou apenas a parcela não-reembolsável do Fundo, gerida diretamente pelo ministério", explicou o OC. "E foram considerados os recursos previstos no PLOA 2021 não condicionados à aprovação legislativa, nos termos do inciso III do art. 167 da Constituição."