Depois de três anos de tramitação no Congresso, o projeto de lei das fake news se tornou prioridade na agenda do Palácio do Planalto, mas ainda há divergências no próprio governo sobre como tratar o tema. Ao <b>Estadão</b>, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator da proposta, admite haver "ângulos diferentes de observação sobre o mesmo problema".
Os principais pontos são a criminalização das fake news, a exigência de que empresas de tecnologia tenham sede no País e a proibição dos disparos em massa de mensagens. "O modelo de negócio dessas plataformas digitais, provedores de aplicativo e redes sociais está ancorado no extremismo, que gera mais engajamento", disse.
<b>Qual é a dificuldade de se obter consenso sobre o projeto das fake news? </b>
É natural que seja assim porque se trata de um tema transversal, sensível e que está sendo debatido no mundo inteiro. Percebo um esforço de unificação da posição do governo. Minha expectativa é que ainda nesta semana tenhamos uma posição unificada do governo.
<b>Como punir as plataformas digitais?</b>
O modelo de negócio dessas plataformas digitais, provedores de aplicativo e redes sociais está ancorado no extremismo, que gera mais engajamento. Esse é um debate inescapável: qual a responsabilidade que essas empresas devem ter? Hoje, a lei da internet, no artigo 19, diz que o conteúdo deve ser retirado por decisão judicial. Esse artigo está completamente defasado. Não entendo porque o STF não julga a constitucionalidade desse artigo. Seria uma baliza para o debate. Outro caminho seria a legislação ajustar esse artigo para definir em que circunstâncias essas empresas devem ter responsabilidade. Hoje elas só retiram mediante decisão judicial. Lavam as mãos.
<b>Qual é o caminho?</b>
O caminho pode ser responsabilizar a plataforma quando houver publicidade e impulsionamento. Uma coisa é alguém publicar algo na rede social, uma ideia. Aí as plataformas falam que é liberdade de expressão. Se não for conteúdo ilegal, não há problema. Mas se for publicada uma fake news paga em uma empresa, e essa empresa projetar isso num alcance que aquilo nunca teria, é outra coisa. As empresas não podem ser sócias da propagação de desinformação, fake news e discurso de ódio.
<b>Quem vai definir o que é ou não desinformação?</b>
Não há consenso nem sequer no plano internacional. Por isso valorizamos a defesa da liberdade de expressão para que o usuário possa contestar a moderação de conteúdo que deve ser feita pelas plataformas digitais, mas isso deve ser feito com atos fundamentados. Agora debatemos mecanismos para rever a responsabilidade dessas plataformas. Elas identificam e tiram do ar conteúdos de pedofilia e racismo. É preciso criar mecanismos para checar informações e fazer moderação de conteúdo. É evidente que é preciso muito cuidado para que não tirem conteúdos publicados que sejam liberdade de expressão. Mas são necessários parâmetros para combater conteúdos ilegais. A convocação ao 8 de janeiro foi nitidamente uma incitação ao golpe de Estado.
<b>Críticos como o jornalista Glenn Greenwald questionam se existe alguma autoridade confiável para decretar o que é verdade. </b>
A posição do Glenn às vezes "absolutiza" a liberdade de expressão. É como se a liberdade de expressão estivesse acima de tudo, de todos e fosse intocável. Só que nada é absoluto, nem a liberdade de expressão. Há o direito individual e o interesse público quando se prepara qualquer legislação.
<b>Como evitar avaliações arbitrárias na hora de definir o que é fake news?</b>
Não tenho a menor dúvida de que é preciso muito cuidado e critério. Se nós exigirmos monitoramento de conteúdo das plataformas digitais, isso pode produzir riscos à liberdade de expressão. Na dúvida, essas empresas vão tirar conteúdo do ar. Há risco? Há. Mas a sociedade civil brasileira é ativa, crítica e acompanha o governo. Os meios de comunicação têm conteúdos confiáveis. Existe um conjunto de agências de checagem. É o ecossistema da produção e difusão da informação que vai ser o contrapeso para que, sem ter um ministério da verdade, criarmos mecanismos para que não haja nenhuma forma de censura. Aposto nesse ecossistema.
<b>O PL tramita desde 2020. Acredita que o PL vai avançar na atual legislatura?</b>
O PL tramitou por três meses no Senado e foi aprovado, mas debaixo de críticas. Disseram que o Senado não fez o debate público. A Câmara optou por fazer durante dois anos com audiências públicas, seminários, reuniões bilaterais e com especialistas. Em 2022, chegamos a um texto que poderia ser apresentado no plenário, mas houve grande mobilização do governo anterior e das big techs para impedir. Mudou o governo, que é favorável a votar. E a União Europeia aprovou uma legislação que criou um novo padrão de regulação das plataformas. Se vale na Europa, pode valer no Brasil. O 8 de janeiro mostrou que não dá para deixar a moderação apenas sob responsabilidade das plataformas. A tentativa de golpe foi gestada nas plataformas.
<b>Qual a expectativa para a votação em plenário?</b>
O presidente Arthur Lira deve se reunir com os líderes para acertar a data da votação. É desejado que o Senado e a Câmara estejam alinhados.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>