Os brasileiros não se entendem em relação àquilo que afeta a vida deles: sexo, religião, segurança, pobreza, drogas etc, revela pesquisa realizada em 160 municípios pelo Instituto Datafolha. Exemplos destes desentendimentos foram mostrados em matéria publicada pela Folha de São Paulo sobre os dados da pesquisa. Disse o jornal: “A maioria dos brasileiros é tolerante com a homossexualidade, mas é contra a liberação do uso de drogas”. Esta maioria, prosseguiu a Folha de São Paulo, “acha que a desigualdade social alimenta a pobreza, mas acredita que a maldade das pessoas é a principal causa da criminalidade”.
O contraste entre as opiniões colhidas na pesquisa levou o Datafolha a concluir que a sociedade brasileira é dividida entre pessoas com tendências liberais e pessoas com tendências conservadoras. Uma divisão perfeitamente natural numa sociedade democrática, já que os choques de opiniões que provocam são neutralizados através de eleições livres com as quais as diversas tendências encontram sua expressão na vida do país.
No entanto, como sabem os brasileiros mais velhos, numa situação de desagregação social provocada por forte crise político-econômica, estas divergências pode servir de combustível para o surgimento de uma aterradora ameaça de guerra civil, algo que não imaginamos poder existir entre nós, brasileiros. O drama profundo que se criou no Brasil, com a deposição do presidente João Goulart, no dia 1 de abril de 1964, e, se manteve por quase duas décadas, consistiu na divisão de cada uma das principais instituições nacionais – as Forças Armadas, a Igreja, a Universidade, a Justiça etc – entre uma parcela de brasileiros que acreditava na necessidade da nova ordem imposta, e outra parcela que por ela era perseguida. Desde então, passou a existir o Brasil dos militares de origem na classe média que, sem receber um único voto era alçado aos mais altos postos dos governos municipais, estaduais e federal, junto com o Brasil dos militares presos, torturados, assassinados. Surgiu o Brasil dos bispos que justificavam até as torturas aos presos políticos e os bispos que tinham suas casas metralhadas, perdiam auxiliares em mortes não investigadas, eram raptados. Apareceu um Brasil dos professores universitários e dos juízes que compartilhavam do novo poder e os que eram compulsoriamente aposentados.
Portanto, se não houvesse nenhum outro motivo para amarmos a Democracia – e certamente há muitos motivos para cultivarmos este amor -, haveria este: a Democracia permite que as divergências de tendências e opiniões sejam toleradas e aceitas com naturalidade. Não servem de justificativas para alimentar ódios e perseguições entre os brasileiros.