Cidades antigas têm lá seus mistérios. Existe até uma minissérie célebre, do chileno Raoul Ruiz, chamada de Os Mistérios de Lisboa. No filme que passa hoje na Mostra, essa aura indecifrável ambienta-se em outra cidade milenar, no sul da Itália. Em O Segredo de Nápoles, de Ferzan Öspetek, vemos a velha cidade, construída à beira de um vulcão, povoada por fantasmas e seres impalpáveis.
No entanto, o tom do filme é realista, ao menos no princípio. As cenas iniciais são as de uma mulher assassinando um homem a tiros, enquanto uma menina a tudo assiste. Em seguida, há um corte vigoroso para outro tempo, no qual a médica Adriana (Giovanna Mezzogiorno) conhece numa festa um rapaz interessante e os dois ficam juntos sem mais delongas. Após uma intensa noite de amor, o rapaz se despede e marcam encontro para o dia seguinte, não por acaso no Museu Arqueológico de Nápoles. Nesse museu, entre outros tesouros, estão expostas as relíquias de Pompeia, a cidade soterrada pelas lavas do Vesúvio no século 1º da nossa era. Inclusive os famosos corpos carbonizados, surpreendidos pelas lavas enquanto dormiam. Ou faziam amor.
Há essa ligação profunda de Nápoles entre a morte e o sexo e, não por acaso, a cidade e suas relíquias é o ambiente no qual um mestre como Roberto Rossellini encena uma de suas obras-primas, Viagem à Itália, com a personagem de Ingrid Bergman tendo um colapso mental pela força simbólica da cidade e seu passado.
Öspetek parece ter essas referências em mente ao insistir no clima fantasmagórico de Nápoles. A cidade conhecida pela pizza, pelo dialeto expansivo do seu povo e por suas belezas naturais, parece ter sempre algo oculto em seus becos e prédios antigos. A câmera busca o inusitado de um mistério que nunca se entrega por completo e faz de Adriana uma espécie de repositório simbólico de tudo aquilo que não se revela, e assusta.
No entanto, às vezes erra a mão e perde o contato com esse véu opaco que teima em ocultar a realidade ou deformar-lhe os traços. Fazer de Adriana uma médica legista, que trabalha com mortos e faz com que “falem”, através da autópsia, é uma boa sacada. Mas as explicações racionais para o que acontece acabam se tornando mecânicas – e enfraquecem a história.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.