Mundo das Palavras

Outra geração sem palavras?

A “crise da linguagem” foi um tema que ocupou muitos pesquisadores universitários, nos anos de 1970.  Na época, impressionava-os a quantidade de jovens profissionais, formados em faculdades, que falavam e escreviam com vocabulários pobres e inadequados, ideias confusas, banalidades, frases truncadas. Enfim, com todo o arsenal de danos que se pode impor à beleza da comunicação através de nossa língua. 
 
Nestes textos inquietava, sobretudo, uma obviedade. Seus produtores tinham tido aulas de Português, por anos a fio. Como explicá-los, então?
 
Seriam, então, originados por algo que somente mais tarde chamou a atenção de novos pesquisadores? Referimo-nos aos preconceitos alimentados por professores contra as variedades linguísticas, especialmente, as usadas por grupos sociais com menor escolaridade. Afinal, por muito tempo, os alunos foram induzidos a valorizar somente as normas cultas de linguagem, com as quais alcançariam o modo “certo” de falar e escrever. Desde que se subordinassem à Gramática Normativa. Aquela que impõe muitas regras, mas não explica por quê. Faz nossa língua parecer “difícil”, embora a usemos todos os dias, sem maior esforço. E deixa como saldo, nos alunos que frequentam suas aulas, uma desconcertante rejeição pelo campo fascinante da comunicação verbal.    
 
Aqueles tristes textos estropiados poderiam ser consequências da longa sobrevivência de tal preconceito no ensino de Português? Definitivamente, não. Pois, naquilo que é manifestado através de palavras há tantas implicações que, evidentemente, extrapola o âmbito desta disciplina o processo pelo qual alguém gera seu texto – seja oral ou escrito. Trata-se de um processo complexo que mobiliza uma ampla gama de fatores pessoais, desde inteligência, sensibilidade, vivência, até as influências sofridas no ambiente familiar e no meio social. Mobiliza, deste modo, a rigor, a totalidade do ser humano.  
 
Não é difícil perceber: o campo da expressão verbal engloba conhecimentos espalhados por várias Ciências Humanas. Aquelas áreas que nos ensinam a nos percebermos e a percebermos o vasto mundo, a refletir sobre estas percepções, e, por fim, a colocar em palavras o que refletimos. Particularmente importante é, para todos nós, o que percebemos e refletimos sobre as questões essências da existência humana: Deus, sexo, amor, criatividade, família, trabalho, sociedade. 
 
Somente quando já temos um texto – criado com toda esta gama de fatores humanos – é que adentramos no campo específico das regras de linguagem estudadas em Português. 
 
Sabiam disto os profissionais da Educação responsáveis pelo ensino médio “profissionalizante” da Ditadura Militar de 1964. Não foi à toa que excluíram de seu modelo de ensino as Ciências Humanas, mas mantiveram Português, tornando-a inoperante como espaço de desenvolvimento da capacidade de expressão verbal exatamente porque a mantiveram isolada, no campo da linguagem, daquelas disciplinas com as quais os alunos podem desenvolver maior acuidade tanto de percepção como de reflexão no esforço de entender a condição humana com todas suas contingências sociais, políticas, culturais e econômicas. 
 
Na grade curricular daquele perverso modelo de ensino, a disciplina Português, identificada com um conteúdo programático composto só de regras de linguagem impositivas e inexplicáveis, terminou exercendo um papel relevante, negativamente. Era a disciplina dos horários de aula nos quais as turmas aprendiam, acima de tudo, a odiar a expressão verbal. E, como se mostrou inevitável, por aquele ódio, os alunos destas turmas iriam pagar um alto preço, mais tarde. Pois, as dificuldades de expressão reveladas nos seus textos orais e escritos prejudicaram a imagem profissional deles. Dificultaram a defesa de seus direitos de cidadãos. E empobreceram seus diálogos em busca de entendimento com familiares e amigos. 
 
Recentemente, para inquietação dos educadores, surgiu nova tentativa oficial de travar a ampliação da capacidade de expressão dos nossos estudantes com exclusão dos currículos das disciplinas de Artes, Filosofia e Sociologia. A tentativa ainda não pôde prosperar devido à resistência dos setores mais lúcidos da opinião pública do País. Em contrapartida, continua sendo propagada a adoção de outra medida que também visa obstaculizar a indispensável e salutar circulação de ideias nas salas de aulas. A suspeitíssima Escola Sem Partido, desgraçadamente, já foi implantada em alguns municípios.    
 
Assim, se torna inevitável a pergunta sobre o que, afinal, buscam os responsáveis por estes atentados à Educação. Querem o surgimento de outra “geração sem palavras”, como foi chamada aquela – de fala e escrita estropiadas -, nascida na “crise da linguagem”, dos anos de 1970?
 

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