P-Valley relata o universo das strippers sob um olhar feminino

A coisa mais comum em filmes e séries com cenas de nudez é aquela câmera que insiste em pousar por vários segundos em certas partes da anatomia feminina. Se for uma produção sobre strip-tease, então, é quase certeza que o espectador estará sentado ao lado de um dos homens na plateia do show. Mas não em P-Valley, série de estreia da premiada dramaturga Katori Hall, vencedora do Olivier por The Mountaintop e baseada em uma peça de sua autoria e com nome mais explícito (Pussy Valley). A série, que entrou no ar na plataforma de streaming Starzplay simultaneamente com os Estados Unidos e tem novos episódios todo domingo, humaniza as personagens.

"Definitivamente, P-Valley tem um olhar feminino na tela e nos bastidores", disse ao <b>Estadão</b> a atriz Skyler Joy, que interpreta Gidget.

Todos os oito episódios da primeira temporada foram dirigidos por mulheres, e os quatro primeiros têm direção de fotografia de uma mulher, Nancy Schreiber. "Eu me senti muito à vontade, porque eu diria que uns 90% do set eram de mulheres", contou Shannon Thornton, que faz Miss Mississippi. "Foi bom saber que a série é tão progressista e que fazemos parte de algo tão inovador e dinâmico." O departamento de figurino tomou cuidado para que as atrizes se sentissem confortáveis nas roupas reveladoras que dançarinas desse tipo precisam necessariamente usar. "Elas perguntavam o que eu ia fazer no episódio e decidiam se eu precisava de mais tecido ou não. Testava o figurino pulando, fazendo parada de mão, dançando para ter certeza", afirmou Brandee Evans, que vive Mercedes. A atriz se lembrou de uma conversa que teve com a diretora do primeiro episódio, Karena Evans. "Ela me disse que me filmaria como se estivesse filmando a si mesma", lembrou Brandee Evans. "E honestamente, ela entendeu porque era mulher. Um homem pode ter empatia, mas uma mulher sabe."

P-Valley, que já é uma das melhores séries do ano, gira em torno do clube Pynk, dirigido por Tio Clifford (Nicco Annan), uma pessoa de gênero fluido com dificuldades financeiras. A rainha do lugar é Mercedes (Brandee Evans), que pretende se aposentar e abrir uma academia de dança. A novata é Autumn Night (Elarica Johnson), que tem um passado misterioso. Miss Mississippi (Shannon Thornton) acaba de voltar da licença-maternidade.

Durante seis anos, Katori Hall pesquisou esse universo. O resultado é um retrato cheio de nuances de um mundo cercado de preconceitos. As atrizes também embarcaram na viagem, fazendo expedições a clubes de strip-tease. "Eu era bem ignorante sobre o que essas mulheres realmente fazem", disse Brandee Evans. "Elas são atletas. São heroínas. Autoconfiantes, determinadas, batalhadoras. São mulheres como eu e você. Agora tenho uma visão mais completa, eu as vejo como seres humanos e não como objetos, o que era injusto da minha parte. Meu respeito por elas cresceu tremendamente."

Aprender as coreografias foi um desafio à parte, e quase todas usaram dublês nas cenas mais difíceis. Mesmo para Brandee Evans, uma dançarina de formação que tem em seu currículo trabalhos com Alicia Keys, Mary J. Blige e Katy Perry, foi complicado aprender a pole dancing. "Era para fazer dez dias de treinamento, mas só aguentei oito. Estava quebrada", explicou ela.

A série coloca na tela uma versão mais realista do sul dos Estados Unidos. P-Valley se passa numa pequena cidade do Delta do Mississippi, uma das regiões mais pobres dos Estados Unidos, que concentra uma grande população negra. Quase todos os personagens principais são afro-americanos, à exceção de Gidget.

A representatividade é evidente, mas a série não faz uma bandeira de questões relativas à raça. Há preconceito, mas é apenas um dos temas da série, que fala da linha tênue entre independência econômica e exploração do corpo feminino, de pobreza e classes sociais, de religiosidade e conservadorismo, de homofobia. "Você não precisa ser negra para sofrer violência doméstica. Você não precisa ser negra para sonhar", disse a atriz Shannon Thornton. "As personagens querem realizar algo na vida. Todos podemos nos identificar com isso."

Para Brandee Evans, apesar de tudo, esta é uma boa época para ter empatia – e P-Valley pode ajudar. "Vamos parar com os julgamentos e ouvir o outro. Vamos perceber que somos mais parecidos do que diferentes", acrescentou.

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