O governo optou por engordar os números de seu pacote de concessões com o plano mirabolante de construir uma ferrovia de R$ 40 bilhões para cortar o Brasil e chegar ao litoral do Peru. Por outro lado, ignorou sumariamente um projeto ferroviário que já existe, que tem obras em andamento, enfrenta dificuldades de execução e já consumiu quase R$ 3 bilhões dos cofres públicos.
Nos discursos oficiais de terça-feira, 9, não houve espaço para uma citação sequer sobre a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), empreendimento de 1.527 km tocado aos trancos e barrancos pela Valec no Estado da Bahia. O silêncio em torno do projeto e sua ausência no pacote decepcionou o ministro da Defesa, Jaques Wagner, que por oito anos foi governador do Estado baiano.
“Estranhei essa ausência, fiquei surpreso. Não tive oportunidade de conversar sobre o assunto, mas gostaria muito que o projeto tivesse entrado no programa”, disse ao jornal “O Estado de S. Paulo”. A expectativa de Jaques Wagner é de que o empreendimento possa fazer parte de uma futura rodada de concessões. “Essa é a maior obra de infraestrutura da Bahia. Se não temos o dinheiro para fazer a obra, o melhor seria entrar na concessão. Mas sabemos que para isso é preciso fazer antes uma avaliação, um estudo de viabilidade econômica.”
O ex-ministro dos Transportes, César Borges, que também comandou o gabinete do governo baiano, não escondeu certa decepção. “Temos que lutar para incluir a Fiol no pacote. Essa primeira etapa das concessões ainda é a de planejamento, mas outras etapas virão”, disse Borges, que hoje é vice-presidente de serviços e infraestrutura do Banco do Brasil. “A Fiol poderá entrar no programa. Tenho fé nisso, e a Bahia tem o Senhor do Bonfim.”
Antes de apostas bioceânicas, a ferrovia da Bahia é o empreendimento que, de fato, foi iniciado pelo governo com a pretensão de concretizar o plano de integração logística no País. Com seu traçado a partir de Figueirópolis, no Tocantins, a estrada de ferro se conectaria à Ferrovia Norte-Sul e, a partir desse ponto, avançaria sentido leste, cortando todo o Estado da Bahia, até chegar ao litoral de Ilhéus, onde está prevista a construção de um porto.
As obras da ferrovia começaram em 2010, a partir do litoral, mas logo mergulharam num emaranhado de problemas, com contratos superfaturados apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e irregularidades no processo de licenciamento ambiental. Por dois anos, ficou praticamente parada.
Os desarranjos cobraram seu preço. Prevista para ficar pronta em julho de 2013, hoje a Fiol é uma incógnita, sem data de conclusão. Dos R$ 4,227 bilhões previstos para serem aplicados na ferrovia, R$ 2,733 bilhões já foram pagos. Com atrasos e aditivos que brotaram no caminho, o preço total já se aproxima de R$ 5 bilhões.
Hoje a situação em seus canteiros de obra é de tensão, por conta das incertezas que cercam o projeto. Nos primeiros 500 km da ferrovia, entre Ilhéus e Caetité, a execução chega a cerca de 60%, mas um dos quatro lotes do trecho está paralisado. O segundo bloco de 500 km que avança até Barreiras tem apenas 6% de execução e empreiteiras reduziram o ritmo, por conta de atrasos no repasse de recursos para a Valec pagar suas contas. Pior é a situação do terceiro bloco de 500 km, que avançaria até Figueirópolis. Este nunca começou. Até hoje é objeto de estudos de viabilidade e não há data que suas obras sejam licitadas. Ainda assim, a Fiol ainda é um projeto em andamento. Segundo a Valec, hoje há 5.874 trabalhadores em campo.
O jornal questionou o Ministério do Planejamento sobre a ausência da Fiol nos planos de concessões e sobre o futuro da ferrovia. A pasta informou que as perguntas tinham de ser feitas ao Ministério dos Transportes. O ministério declarou apenas que “está com estudo de melhoria de traçado em andamento” nos lotes finais da ferrovia e que “o trecho vai para licitação de obras após o atendimento desses quesitos”.