A escalada da crise política desde a delação da JBS pode postergar ainda mais a recuperação da economia e fazer o Brasil registrar o terceiro ano consecutivo de crescimento negativo do Produto Interno Bruto (PIB), afirma a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), Silvia Matos. “A economia não vai reagir, ao contrário, ela pode sofrer mais.”
A seguir, os principais trechos da entrevista da economista:
Qual a sua previsão para o PIB deste ano?
Temos 0,2% para este ano, mas, excluindo o agronegócio, pode ficar negativo em 0,3%. Esse era um ano de transição, não de recuperação, de colocar todas as variáveis no lugar certo. A economia não vai reagir, ao contrário, pode sofrer mais ainda do que estava precificado. Há o risco de a recessão se prolongar mais, mas ela foi tão severa que a capacidade de queda não é mais tão grande. No fim do ano passado, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, falava que a economia já estava em velocidade de cruzeiro. Adoraria que estivesse, mas a probabilidade de que esse cenário não se realizaria era alta. Hoje, é fácil o PIB escorregar para o negativo.
A crise política já tem impactado nos indicadores de atividade?
Sim, a gente percebe que os indicadores caíram. Após o processo da mudança de governo, as expectativas explodiram e a crise atual fez tudo piorar. A recuperação demonstrava ser bem gradual e o risco de reversão das expectativas já estava ficando mais claro, mas, com esse evento (delação da JBS), houve reversão mais forte. Quando se olha para a situação atual, dá para perceber que houve muito otimismo e todo mundo baixou a bola um pouco. O que está havendo agora é uma reversão das expectativas. O segundo trimestre vai ser negativo, com certeza, terceiro e quarto serão próximos de zero.
O governo vai precisar aumentar impostos para conseguir cumprir a meta fiscal?
A trajetória da dívida pública hoje não é sustentável. Será preciso algum aumento de carga tributária, a arrecadação está muito baixa e não deve melhorar. O agronegócio e o setor exportador, que se saem bem, arrecadam pouco. Vai ser preciso ter um aumento de imposto. Mas a gente sabe que, para resolver a questão fiscal do Brasil, além de ser necessário rever a carga tributária, tem de mexer na despesa.
A inflação pode cair ainda mais? O BC poderia ser mais agressivo no corte de juros?
Nenhum analista previa a inflação tão baixa. A redução da inflação de serviços tem sido enorme. A recessão é condição necessária, mas não é suficiente para a queda da inflação. Nunca vi desinflação de serviços como a que estamos vendo agora, isso influencia no poder de compra. A perspectiva pode ser até de uma inflação abaixo de 3% este ano. Para o ano que vem, a tendência é muito mais desinflacionária do que inflacionária. Hoje, faz todo sentido continuar reduzindo juros e, se errar a mão, o Banco Central pode corrigir a rota e o mercado vai entender, não vai abalar a credibilidade. Ainda tem espaço para essa política monetária, tem espaço para cortar juros. A questão é que a política monetária também depende da melhora fiscal.
Como a sra. avalia as chances atuais de aprovação da reforma da Previdência?
Olhando a situação política, acabo sendo mais pessimista. A PEC do teto de gastos fica inviável. Como vai sustentar uma PEC sem reformas? É só cruzar as informações, ainda há muito desperdício do governo. Continuando nesse ritmo, em 2019 não dará para cumprir a PEC dos gastos. No ano que vem, ainda dá, mas temos riscos. A relação dívida/PIB vai subir de qualquer forma. Mesmo em um cenário otimista, chega fácil a 80% no ano que vem. Sem reformas, não consigo imaginar uma solvência.
Como fica a equipe econômica no meio da crise?
Temos vários riscos hoje. Participar desse governo é realmente uma decisão pessoal muito difícil, as pessoas que estão lá estão pensando no Brasil, no Estado brasileiro, não nesse governo, tenho muita clareza disso. Mas é uma posição difícil, eles sabem que são os fiadores para o mercado.
Com a escalada da crise política, há risco de uma “sarneyzação” do governo Temer?
Temos algumas vantagens em relação àquele período, uma situação externa favorável, a balança de pagamentos não é um problema, os investidores estrangeiros estão benevolentes com o Brasil. Na época do Sarney, a inflação financiava as contas públicas e os mais pobres perdiam. Tem alguma margem de manobra para ser mais otimista agora do que em relação aos anos 1980. Mas é insano, o País vai ao abismo e não tem uma reação dos políticos. A gente precisa reconstruir essa pinguela até 2019.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.