Para Arthur Kroeber, da consultoria especializada na economia chinesa Dragonomics, o Brasil tem uma série de problemas para resolver se quiser mesmo recuperar sua economia. E o principal desafio é organizar seu sistema tributário, para atrair investimentos e se tornar mais competitivo. Em entrevista ao Estado, o economista, que também é professor adjunto da Universidade Columbia, em Nova York, disse ainda que as investidas de Donald Trump contra a China são exageradas. Segundo ele, não há governo que tenha feito recentemente mais regulações que o chinês.
Nesta semana, Kroeber estará no Brasil para uma rodada de debates do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), sobre os impactos do governo Trump no comércio exterior e nas reações chinesas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Há alguns anos, o Brics teve um papel mais expressivo na política externa brasileira, o que agora parece estar se perdendo. O Brasil está errado em deixar esse grupo de lado?
Sempre vi o conceito do Brics como forçado e até um pouco ingênuo. São cinco países (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com ambições e históricos de comércio exterior muito distintos. Na verdade, a única coisa que eles têm em comum é o fato de serem economias emergentes muito grandes e com um considerável potencial, mas essa política de aproximação representa uma tendência que não deverá se repetir agora. O problema é que este será um ano muito fora do comum. Há barulho demais sobre o que será a política de comércio exterior do governo de Donald Trump e como isso afetará a forma como a China fará comércio e se relacionará com os demais países, como o Brasil. Há muitas especulações, mas tudo ainda está, na prática, muito incerto.
A postura de Trump em relação aos chineses preocupa?
Não se pode dizer que é uma surpresa – desde a campanha, ele já havia eleito a China como um vilão do comércio exterior. Se ele levar a sério o que prometeu antes de ser eleito, uma guerra fiscal entre Estados Unidos e China é realmente possível, mas não se sabe até que ponto os homens de negócios americanos, que têm interesse em manter boas relações com os chineses, irão frear os impulsos de Trump. Só que as acusações não me parecem tão justas. Se pararmos para pensar, não há governo que se mostrou mais flexível e manejou seu câmbio com mais afinco do que o chinês.
O Brasil, recentemente, finalizou um projeto que libera a venda de terras a estrangeiros. É um setor em que os chineses poderiam investir no Brasil?
A médio e longo prazos, é claro que a China tem grandes ambições para que suas empresas invistam em todo o mundo, em infraestrutura, capacidade produtiva e agricultura. Regras mais flexíveis para a propriedade da terra no Brasil criam duas vias potenciais para o investimento chinês em larga escala: em agricultura, terreno em que a China está interessada em obter mais presença internacional, por conta do seu acesso restrito a terras férteis, e na compra de imóveis.
Isso também abre uma janela de oportunidade para que o Brasil receba mais investimentos em infraestrutura?
Sim, sem dúvida. Se olharmos para os padrões de investimento direto chinês em outros países, encontramos, sobretudo, investimentos em recursos e infraestrutura em países em desenvolvimento – em grande parte por empresas estatais. Cada vez mais, no entanto, também se percebe um maior peso dos aportes em produção, serviços e tecnologia nos países desenvolvidos – feitos por empresas privadas.
O Brasil poderia se posicionar de modo mais efetivo para atrair recursos, em vez de se focar em vender commodities?
O maior desafio do Brasil para atrair recursos chineses é que seu ambiente para captação de investimentos ainda é muito ruim. Os impostos e regulamentações são muito confusos, ainda mais para quem olha de fora, e tornam difícil para qualquer investidor acreditar que vai conseguir ganhar dinheiro no País. Os investidores privados chineses mostraram uma forte preferência por países desenvolvidos, com grandes mercados de consumo, regimes de investimento e tributação favoráveis e regras claras, como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Japão, por exemplo. Para atrair investimentos chineses de alta qualidade, não há outra saída a não ser o Brasil melhorar seu ambiente de negócios.
O Brasil tem visto os chineses ocuparem espaço nos mercados vizinhos. É possível reverter isso?
Enquanto a China continuar a registrar superávits comerciais de US$ 300 bilhões a US$ 400 bilhões por ano, terá muitos recursos para gastar no exterior. Os chineses também têm olhado para outras regiões, como a América do Sul, porque seu perfil de investimentos mudou nos últimos anos. As empresas, especialmente as privadas, atingiram um elevado grau de competitividade, e o retorno dos aportes domésticos caiu significativamente. Cada vez mais, esses investimentos estão ocorrendo por meio do setor corporativo, e não por iniciativa governamental. A chave para aumentar sua presença nos países vizinhos é o Brasil melhorar sua gestão doméstica, para desfrutar de um crescimento mais rápido e do desenvolvimento sustentável de empresas competitivas o suficiente para se aventurar no exterior.