Como lidar com as dores de uma desilusão amorosa? Para os personagens do espetáculo O Jogo do Amor e da Morte – um homem e uma mulher que se encontram ao acaso -, a solução para expiar as frustrações de seus relacionamentos rompidos é embarcar num conjunto de situações lúdicas inspiradas em obras literárias relacionadas a amores frustrados e abandonos. Só que o acordo entre os dois vai resultar em um sentimento com prazo para terminar.
Numa praia, fragilizado, o tal homem chora pela perda de um amor e é abordado por essa mulher, de intensos olhos azuis, que também começa a chorar. Em comum, ambos carregam a experiência de um rompimento traumático. Ele, então, propõe contratá-la para que faça companhia a ele por cinco noites – em cada uma delas, colocam o jogo em prática. A regra principal é que ela não deve fazer perguntas a seu respeito.
“A ideia era que esses personagens passassem por um movimento de purgação, de aprofundamento das dores. A única diferença é que enquanto o personagem feminino vai em direção à superação, ele vai na direção contrária, mira sempre o fundo do poço”, comenta o ator e diretor Eliseu Paranhos sobre a sua criação.
Paranhos, que já integrou a Cia. Pessoal do Faroeste, escreveu o texto para ser encenado por sua mulher, a atriz Juliana Fagundes. Casados há 12 anos, é a primeira vez que os dois trabalham juntos em uma montagem adulta. “A gente também aprofunda a nossa relação pessoal, passando por um processo desse”, diz Juliana.
Primeiramente, Paranhos não iria atuar no espetáculo, mas o ator escalado não pôde continuar no projeto. No final, ele mesmo teve de interpretar as próprias memórias e obsessões que, como qualquer autor, colocou no papel. “O legal de estar mexendo nessas feridas agora é saber que elas foram muito bem cuidadas, estão cicatrizadas”, afirma. “Fazer um personagem com as emoções à flor da pele o tempo todo é uma coisa muito perigosa. E tenho a pretensão de achar que nós chegamos a um bom termo”, considera.
Mais do que as vivências pessoais do casal ali misturadas na ficção, o mote da peça são as referências literárias sobre relacionamentos interrompidos. Paranhos define o texto como um pastiche, mesclando essas obras. A própria trama inicial – o encontro entre um homem e uma mulher que sofrem por amor e criam uma ligação entre si – é inspirada no livro Olhos Azuis, Cabelos Pretos, de Marguerite Duras. O barulho do mar que perpassa toda a encenação também é uma citação a esse trabalho da escritora francesa.
Na terceira noite, por exemplo, o jogo consiste em interpretar Carlos Eduardo e Maria Eduarda, personagens de Os Maias, do autor português Eça de Queiroz, que se apaixonam e descobrem serem irmãos. Já no derradeiro encontro entre o homem e a mulher, o tema morte vem à tona com a trágica história de um triângulo amoroso retratado em Giovanni, do romancista americano James Baldwin, cujo manuscrito inacabado Remember This House serviu de base para o documentário Eu Não Sou Seu Negro, de Raoul Peck, indicado para o Oscar da categoria neste ano.
No texto da peça, há ainda citações à banda Legião Urbana, na canção La Maison Dieu, e ao dramaturgo alemão Bertolt Brecht, em Galileu Galilei.
A encenação de O Jogo do Amor e da Morte foi concebida para ocorrer em um antigo casarão da família de Juliana. Na antessala da construção, que fica em frente do Instituto Biológico, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, e é datada da década de 1940, o formato do batente remete a uma tela de cinema. Acomodado logo em frente dali, o público – de apenas 20 pessoas por apresentação – fica a poucos passos do cenário, que utiliza a mobília do próprio lugar.
Funcionando como consultório médico do pai da atriz durante a semana, o local abriga o espetáculo nos fins de semana, mas a dupla pensa, mais adiante, em estender a programação também para a segunda-feira. Sem apoio de nenhuma lei de incentivo ou outro tipo de financiamento, a produção foi realizada com recursos próprios do casal e a ajuda de colaboradores.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.