O que produziriam, para a cultura universal, duas pessoas raras, dotadas de excepcionais sensibilidades, inteligências e talentos artísticos, movidas por uma paixão nascida entre elas? A que custo emocional o envolvimento delas poderia gerar obras de arte? Ambas questões estão respondidas, dentro da História da Cultura da França, nos exaltados episódios da paixão entre Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, dois de seus maiores poetas. Num destes episódios, houve a tentativa de assassinato de Rimbaud por Verlaine, num quarto de hotel de Bruxelas, no dia 10 de julho de 1873 – lembrou a Agência France Press, em novembro último, quando a arma usada – uma pistola Lefaucheux de seis tiros, calibre sete milímetros e coronha de madeira – foi vendida na casa de leilões Christie´s, de Paris, por 1 milhão e 600 mil reais. “O disparo mais célebre da Literatura Francesa – acrescentou a AFP –, felizmente, fez correr mais tinta que sangue”. A agência se referia à tinta com a qual Rimbaud, ferido apenas num punho, escreveu, em seguida, “Une Saison em Enfer”, extenso poema simbolista que exerceria grande influência nos artistas e poetas surrealistas. E, Verlaine escreveu os 32 poemas da obra “Cellulairement”, nos dois anos de prisão a que foi condenado.
Estas duas questões, com toda a sua carga de ansiedades e inquietações, longe de serem ociosas, foram colocadas para a cultura brasileira, pela pesquisa desenvolvida pelo experiente jornalista Toninho Vaz. Ele estudou o relacionamento dos, então, jovens poetas, juntos na foto postada com este texto – Caetano Veloso, com 26 anos, e, Torquato Neto, com dois anos menos – que, nos anos de 1960, criaram um dos mais relevantes movimentos artísticos do Brasil, o Tropicalismo, que ultrapassou os campos da Poesia e da Música, estendendo-se às Artes Plásticas e ao Cinema. Através de sua pesquisa, Vaz não só mostrou que até seu suicídio em 1972, aos 28 anos, Torquato Neto se sentia amargamente atingido pelo rompimento com Gilberto Gil e Caetano Veloso – ocorrido quando eles estavam exilados, em Londres.
Rompimento que colaborou muito para agravar a desestruturação psicológica de Torquato, no ambiente instalado no País, pela Ditadura, no qual ele não conseguia ter rendimento suficiente para se manter, junto com sua mulher, Ana Maria Silva de Araújo Duarte, e seu filho Thiago, de dois anos. Porque Torquato continuava apaixonado por Caetano Veloso, de quem fora amante, segundo depoimento de outro namorado do jovem poeta de Teresina, apresentado por Vaz no livro “Para mim chega, a biografia de Torquato Neto”. Trata-se de alguém que acompanhou o caso de Caetano e Torquato no seu próprio apartamento no bairro do Tijuca, no Rio de Janeiro. Mas Vaz apresenta algo ainda mais inesperado, desta vez com o testemunho de Naná Caymmi, ex-mulher de Gilberto Gil.
Torquato já havia tentado se matar, no lendário ano de 1968, quando a primeira mulher de Caetano, Dedé Gadelha, impôs a separação amorosa de Torquato. Engoliu, na ocasião, todos os comprimidos de uma caixa de Valium, foi hospitalizado, e, teve de permanecer um mês numa casa de repouso. Assim, na desconcertante penumbra em que foi mantida a história deste envolvimento sexual-afetivo – em contraste com a publicização do de Rimbaud com Verlaine, já no século XIX – dele resta, conhecida, apenas a belíssima criação de Caetano, “Cajuína”.