Ao fim de cada número acrobático ou de mágica apresentado nos velhos circos, uma onda de aplausos costuma encher a tenda. Esse som produzido coletivamente se distingue com o barulho de uma única pessoa batendo palmas. Agora, imagine o som da batida de duas mãos executado ao contrário. Essa foi parte da alquimia sonora engendrada no espetáculo Adeus, Palhaços Mortos, que estreia nesta sexta-feira, 15.
A montagem da Academia dos Palhaços utilizou a peça Um Trabalhinho para Velhos Palhaços, do romeno Matei Visniec, sobre um trio de artistas circenses que se deparam com o fim de suas existências, de suas carreiras e da própria arte. O enredo veio a calhar já que o projeto itinerante da companhia virou cinzas no ano passado: a perua Kombi que servia de palco e armazenava cenários e figurinos sofreu um problema mecânico e se incendiou. O episódio também desmanchou o elenco. Dos cinco atores, dois deixaram a companhia. Os sobreviventes decidiram encarar a obra de Visniec como uma revisão da trajetória da companhia, explica Rodrigo Pocidônio. “Foi uma forma de refletirmos sobre o fim da companhia e esse recomeço”, diz o ator. O projeto original viajava com o automóvel que se tornava palco de apresentações com palhaços e outras típicas do teatro popular.
Nessa nova empreitada, ao lado de Laíza Dantas e Paula Hemsi, a peça ganha um novo e irônico enredo. Três artistas circenses se reencontram, acidentalmente, em uma agência de empregos. A única vaga disponível fará com que cada um use suas melhores gags cômicas para trapacear o adversário. O diretor José Roberto Jardim ficou responsável por sofisticar as chamadas piadas físicas. “Havia muitas no texto original, mas elas eram bem infantis, como quando um palhaço chuta o outro.”
O próximo passo foi criar o ambiente destinado a esses palhaços mortos. Com desenhos que aludem a cortinas e picadeiros de circo, as imagens criadas são projetadas nas três telas que formam um semiquadrado – a face oposta à plateia não existe e serve de entrada e saída para os atores.
Dentro desse cubo mágico vale tudo. Cheio de luzes, as cenas começam e terminam com cortes secos. Os atores só têm tempo para executar suas posições estáticas quando, em seguida, o cubo se apaga. Quando as luzes se acendem, o elenco está em outra posição. “São como os frames de um filme. O movimento típico dos palhaços fica congelado”, diz Pocidônio.
Para acompanhar esse espetáculo em mosaico, os aplausos não poderiam faltar, o que, nesse caso é no singular. Durante os ensaios, o diretor usava instrumentos de percussão para marcar a transição de cenas. A sugestão do diretor musical Tiago de Mello foi substituir o instrumento manual por um som artificial. “Usei uma bateria sintética dos anos 1980 para isolar o som de uma palma”, conta.
De posse do som, Mello consegue reverberar o ruído, executá-lo ao contrário e fazer outras distorções sonoras, como os glitchs, sons característico de falhas de comunicação em um sistema. “É para criar a sensação de um lugar deslocado, com um som que fica suspenso.” Ele conta que, com as imagens, são mais de 500 goals efetuados no espetáculo, ou seja, combinações entre áudio e imagem. Diante de tantas coisas que acontecem no palco, Mello ressalta não ver quase nada. “São mudanças muito rápidas, eu fico com a atenção voltada para as falas. Não tenho chance de parar para assistir.”
Para o diretor, o cubo reforça a ideia de um não lugar, que não está sob um fuso horário convencional. “São informações estéticas que se cruzam, se acumulam e criam essa ilusão.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.