Em cinco ficções e um documentário o Cinesesc esboça a trajetória de um dos principais realizadores do cinema moderno – Roberto Rossellini (1906-1977). Ele é tido como “pai” do neorrealismo, o movimento cinematográfico italiano que influenciou cinematografias do mundo todo, a brasileira inclusive. A curadoria é do crítico Adriano Aprà, especialista na obra de Rossellini e também na de outros autores da época de ouro italiana. Ano passado, Aprà esteve no Brasil lançando mostra e catálogo exemplares da obra de outro gênio, Michelangelo Antonioni.
O neorrealismo nasceu e cresceu no após-guerra devido ao talento de intelectuais, roteiristas e cineastas, como Luchino Visconti, Vittorio De Sica, Cesare Zavattini e o próprio Rossellini. Em 1942, Visconti já havia rodado Obsessão, baseado na obra do norte-americano James Cain. Mas foi Rossellini quem, em 1945, lançou Roma Cidade Aberta, que assinala o fim da guerra, a vitória contra o fascismo, homenageia os “partigiani” da Resistência e dá base a uma nova estética.
Mais que um filme, é emblema do cinema a ser feito então, de produção mais barata, filmagens nas ruas, com gente do povo no elenco e, em especial, centrado nos problemas sociais de um país devastado pelo regime de Mussolini e por seis anos de guerra estúpida.
Roma Cidade Aberta é um painel de várias histórias de vida que se cruzam durante a ocupação da cidade pelos nazistas. Aldo Fabrizi, como um padre, e a inesquecível Anna Magnani como mulher do povo, são figuras marcantes dessa obra histórica, que abre hoje a mostra às 19h e será reprisado no sábado às 21h.
Paisà (1946) é o segundo filme da chamada “trilogia neorrealista”. Obra segmentada em seis episódios ambientados durante a 2ª Guerra, se abastece da convivência entre civis italianos e soldados americanos que haviam desembarcado no país. Há humor, ternura, emoção nessas histórias de guerra, com pessoas comuns vivendo situações incomuns. Numa delas, a amizade entre uma menina siciliana e um soldado americano. Em outra, um vigarista tenta enganar um soldado negro.
Alemanha Ano Zero (1948) fecha a trilogia. Visita, pelos olhos de um menino alemão, uma Berlim reduzida a escombros junto com o sonho imperial de Hitler. Para o menino Edmund resta a tarefa, inglória, de sobreviver e encontrar alimento para sua família. Um filme humano, duro, com um dos desfechos de maior impacto da cinematografia da época.
Stromboli (1950) marca uma virada na carreira de Rossellini e em sua vida pessoal, graças ao encontro com Ingrid Bergman, deusa sueca do cinema que se tornaria sua esposa. Ela vive Karen, refugiada que, para conseguir permanência na Itália, se casa com um pescador de uma ilha vulcânica. Mulher moderna, Karen é malvista pelos habitantes da ilha e sofre com os ciúmes do marido. Mas o seu caminho é de uma epifania, revelação que se dá durante a erupção do vulcão. Ao se afastar do cânone neorrealista, Stromboli foi criticada por alguns adeptos fundamentalistas de Rossellini. É uma obra-prima.
O Medo (1954) é um Rossellini menos visitado, o que já deve atiçar a curiosidade do cinéfilo. Numa história de amor e traição, Ingrid Bergman interpreta Irene, casada com um cientista alemão enquanto mantém relacionamento com outro homem. Melodrama, amores difíceis e um contexto de chantagem e ameaças disfarçados de experimento científico delimitam essa obra de qualificação complicada. Fecha a retrospectiva Índia: Matri Bhumi (1959) que, entrelaçando linguagem documental e episódios ficcionais curtos, expressa o encantamento de Rossellini com o país.
É panorama enxuto de um grande artista. Seria injusto dizer que muita coisa fundamental ficou de fora porque, provavelmente, a concisão ditou as escolhas. No entanto, esse painel é representativo de uma vida de muitas viradas pessoais e de estilo. Rossellini era um católico de esquerda, com fé na vida e no homem. Humanista de estilo antigo, dizia que a principal e mais trabalhosa tarefa imposta a cada um de nós é tornar-se um ser humano de verdade. “O ofício de ser um homem”, definia. Seu cinema genialmente simples e honesto atesta essa busca.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.