O papa Francisco iniciou nesta quarta-feira, 08, na Bolívia, a segunda etapa da viagem à América Latina com um discurso em que reiterou o compromisso da Igreja Católica com os excluídos, pediu atenção especial às famílias e rejeitou o dinheiro como “centro da vida”. Em pronunciamento de apenas 11 minutos, logo após desembarcar no Aeroporto de El Alto, o papa citou trechos da Constituição boliviana e citou “passos importantes” para a inclusão social no país. O pontífice também saudou os povos que tiveram de deixar a própria pátria em busca de oportunidades em outros lugares.
Francisco provocou grande comoção ao fazer rápida parada no local onde, em 22 de março de 1980, durante a ditadura militar, foi encontrado o corpo do padre jesuíta Luís Espinal, no caminho entre o aeroporto e La Paz. “Estou aqui para saudá-los e para recordar um irmão nosso vítima de interesses que não queriam que se lutassem pela liberdade da Bolívia. O padre Espinal pregou o evangelho e esse evangelho incomodou e por isso o eliminaram”, disse o papa, que rezou um Pai Nosso e fez uma oração especial em memória de Espinal. Depois, prosseguiu o caminho no papamóvel até o centro de La Paz.
Espinal dedicou a vida pastoral aos mais pobres, à defesa dos direitos humanos e à denúncia da violência. Há um forte movimento na Bolívia para que seja beatificado, como aconteceu com o monsenhor Óscar Romero, também assassinado em 1980, em El Salvador.
“A Bolívia dá passos importantes para incluir amplos setores na vida econômica, social e política do país. A Constituição reconhece direitos dos indivíduos, das minorias, do meio ambiente. Tudo isso requer espírito de colaboração cidadã, de participação nas questões que interessam a todos e convergência em ideais comuns. Se o crescimento é só material, sempre se corre o risco de voltar a criar novas diferenças e que a abundância de uns se construa sobre a escassez de outros”, alertou o papa em seu primeiro discurso na Bolívia, ainda no aeroporto.
O presidente Evo Morales fez uma rápida saudação ao papa, mas não deixou de mencionar o antigo conflito com o Chile: a Bolívia reivindica acesso marítimo em processo que o governo boliviano levou ao Tribunal Internacional de Haia em 2013. O acesso ao oceano Pacífico foi perdido pela Bolívia no tratado que pôs fim à Guerra do Pacífico (1879-1883), mas há mais de um século os bolivianos reivindicam a revisão do acordo.
“O senhor chegou a uma terra de paz que busca justiça e direito de acesso ao mar depois de uma invasão”, disse Morales ao pontífice. O presidente afirmou que a Igreja Católica, “em muitos momentos históricos foi usada para subjugar e oprimir” e saudou a presença do papa. “Bem vindo como máximo representante da Igreja Católica, que vem à Bolívia apoiar a libertação dos nossos povos”, discursou Morales.
“A coesão social requer um esforço dos cidadãos. A Igreja é mãe e fez opção preferencial e evangélica pelos últimos, pelos descartados, pelos excluídos”, destacou Francisco, que voltou a pregar atenção especial às crianças e aos idosos.
“Cuidar das crianças é garantia de futuro de uma sociedade. Os jovens comprometidos com a fé são promessa de futuro. E os mais velhos trazem sabedoria, são a memória de um povo. Devem ser acolhidos, não descartados por tantos interesses que põem no centro da vida o dinheiro”, afirmou o pontífice.
O papa exaltou as riquezas naturais da Bolívia e disse ver com muita alegria o fato de que o castelhano convive com outras 36 línguas nacionais.
O avião da Boliviana de Aviación (BoA) que trazia o papa de Quito, no Equador, pousou no aeroporto de El Alto às 17h11, quase uma hora depois do previsto, e um público estimado em 150 mil pessoas se concentrava nas avenidas próximas e no campus papal, onde foram feitos os discursos e a bênção do pontífice. Muitos fiéis agitavam lenços e bandeiras para celebrar a primeira visita de um papa desde 1988, quando João Paulo II esteve em cinco cidades bolivianas.
Às 17h26 o papa desceu as escadas do avião, protegido do frio por um sobretudo branco e logo recebeu um abraço do presidente Evo Morales, que tirou do pescoço um acessório típico indígena e passou a Francisco. O papa foi cercado por crianças e caminhou de mãos dadas com duas delas, que usavam trajes tradicionais do país.