Apesar de ter uma economia mais instável que a brasileira e enfrentar uma crise mais profunda, com queda do PIB podendo chegar a 12,9% em 2020 – o terceiro ano consecutivo de recessão -, a Argentina passará a concentrar, com o Uruguai, a produção de veículos da Ford na América Latina. Na segunda-feira, 11, a montadora americana divulgou a decisão de fechar suas três fábricas no Brasil.
O anúncio assustou o País, mas não especialistas do setor automotivo, que explicam não só a decisão da empresa de parar de produzir no Brasil, mas também a de continuar com as operações argentinas. A mudança não tem a ver com questões estruturais ou conjunturais dos países, mas decorre de uma transformação na indústria automotiva e das estratégias da Ford.
"A Ford tem anunciado há uns três anos que não vai mais produzir carros de passeio. A saída do Brasil está alinhada a isso. Não é sobre o Brasil. É sobre ter uma produção alinhada com o portfólio futuro deles, focado em veículos elétricos e SUVs (utilitários)", diz Marcus Ayres, sócio-diretor da consultoria Roland Berger.
Na Argentina, a montadora produz hoje, por exemplo, a Ford Ranger, um de seus carros-chefe. Não só a Ford, mas a maioria das montadoras foca suas produções argentinas em veículos maiores, enquanto carros leves e SUVs pequenos são fabricados no Brasil.
Esse modelo reflete uma tendência cultural. Dos veículos comprados na Argentina, 20% costumam ser pickups; no Brasil, 15%, de acordo com o consultor Cássio Pagliarini, da Bright Consulting.
No fim do ano passado, a Ford anunciou um investimento de US$ 580 milhões na Argentina para fabricar o novo modelo da Ranger, que é montada na planta de General Pacheco, na região metropolitana de Buenos Aires. Por outro lado, dois anos antes, a empresa havia encerrado a produção argentina do Focus, lembra Pagliarini.
Ayres acrescenta que a Ford deixará de produzir carros leves em todo o mundo. Isso porque, nos SUVs, é possível acrescentar um maior volume de ferramentas tecnológicas. "Nesse século, o carro vai ser um computador sobre rodas. O movimento da Ford segue essa tendência. Não tem como embarcar muita tecnologia em um Fiesta, porque o preço não comporta", explica.
Com a mudança, a companhia deverá vender mais veículos na faixa dos R$ 200 mil do que na dos R$ 50 mil, focando no que é mais rentável. Além dos SUVs, modelos elétricos também estarão no centro das atenções da Ford e das outras montadoras.
Questionado sobre a possibilidade de a empresa usar as fábricas no Brasil para produzir veículos elétricos, Pagliarini diz que seria necessária uma política industrial para avançar nessa agenda.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>