Para juristas, artigo 142 não autoriza intervenção militar

O presidente Jair Bolsonaro e parte de seus apoiadores passaram a citar o artigo 142 da Constituição Federal para criar uma narrativa de que não seria ilegal um decreto de "intervenção militar" para conter o que consideram excessos do Supremo Tribunal Federal (STF). Juristas sem vínculos com o governo consultados pelo <b>Estadão</b>, no entanto, afirmam que essa interpretação é absurda, e consideram que, ao incentivar esse entendimento, o chefe do Palácio do Planalto flerta com crimes de responsabilidade.

O texto do artigo estabelece que as Forças Armadas, além de atuarem na defesa da Pátria, podem ser chamadas, por iniciativa dos Poderes da República, para garantia "da lei e da ordem". No entanto, na avaliação de especialistas, o texto constitucional é claro sobre as atribuições de Executivo, do Congresso e do STF, de modo que não cabe ao presidente a palavra final sobre o que é lei e ordem.

A referência ao artigo 142 foi feita por Bolsonaro em reunião ministerial no dia 22 de abril, que teve o vídeo divulgado no mês passado por ordem do ministro do STF Celso de Mello. No encontro com auxiliares, o mandatário cita o artigo e fala em "pedir as Forças Armadas que intervenham pra restabelecer a ordem no Brasil, naquele local sem problema nenhum".

Dias após o conteúdo da reunião vir a público, o presidente usou as redes sociais para compartilhar reflexões do jurista Ives Gandra Martins, que defende uma interpretação do artigo nos moldes da pretendida por Bolsonaro. No vídeo, Ives Gandra afirma que o presidente "teria o direito de pedir as Forças Armadas" caso perdesse recursos à decisão que impediu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal.

"Essa interpretação do artigo 142 não faz nenhum sentido em um ambiente profissional de pessoas treinadas a interpretar a Constituição. Estão achando que é possível pegar três ou quatro palavras soltas e interpretá-las de maneira descontextualizada", afirmou Thomaz Pereira, professor da FGV Direito Rio. Para especialistas, o esforço dos bolsonaristas em disseminar o discurso é uma tentativa de dar um "verniz jurídico" a uma pretensão golpista. "No fundo, é para dizer que o presidente faz o que quer. Isso é absolutamente contrário à Constituição", disse Diego Werneck, professor de Direito do Insper.

Ele cita o fato de a Carta de 1988 ter nascido em um contexto de redemocratização, após 21 anos de ruptura democrática e, por isso, não faz sentido a ideia de que os legisladores deixaram "escondido" no texto uma permissão moderadora às Forças Armadas.

"É difícil encontrar um adjetivo suficiente para expressar o quanto essa leitura é discrepante do texto constitucional. A interpretação coloca que Forças Armadas servem para garantia dos poderes constitucionais, e também da lei e da ordem, mas não entende que lei e ordem é conforme definido pelos outros Poderes dentro de suas atribuições", completou Werneck.

<b>Derrotas</b>

Bolsonaro tem sofrido reveses no STF. Partiram da Corte, por exemplo, as decisões que garantiram autonomia a governadores e prefeitos na crise do novo coronavírus e que barraram a indicação de Alexandre Ramagem, amigo do família Bolsonaro, para a PFl. Também preocupa o presidente inquérito que investiga aliados por suposta disseminação de notícias falsas e que pode chegar ao seu filho Carlos Bolsonaro.

A tensão faz com que ideias de fechar o STF venham sendo recorrentes nas manifestações pró-Bolsonaro realizadas em Brasília. O próprio presidente tem participado desses atos, que também estão no alvo de investigações por serem considerados antidemocráticos.

"Decisões do Supremo são recorríveis. Não temos poder moderador na ordem republicana, isso ficou no império", afirmou Vladimir Feijão, professor de Direito do Ibmec. "Certamente (essa interpretação) é um processo de revisionismo que falseia o que aconteceu na Constituinte de 1988." "Se o presidente da República atenta contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais, isso é crime de responsabilidade", afirmou Thomaz Pereira. "Ao ecoar essa tese, o presidente tangencia diversos artigos dos crimes de responsabilidade", emendou Werneck. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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